sexta-feira, 19 de agosto de 2011

OS CLÁSSICOS DO MEU PAI


Devia estar aqui a capa do single da Doris Day  a cantar “Que Sera Sera”, uma das canções da vida do meu pai. O single, como tantos outros discos, levianamente, perdeu-se por aí.

Esta é apenas a capa de um CD que reúne êxitos de Doris Day.

A canção ouviu-a o meu pai, no filme de Alfred Hitchcock “O Homem Que Sabia Demais” (“The Man Who Knew Too Much”, 1956), com James Stewart e Doris Day, que mais não é que o filme, com o mesmo nome, que Hitchcock realizara em 1934.

Diz a lenda, e segundo John Ford as lendas são para serem publicadas, que quando ouviu pela primeira vez a música "Que Sera, Sera", Doris Day recusou-se a gravá-la, alegando tratar-se de uma música infantil. A música não só obteve o Óscar para a melhor canção original, como veio a ser o maior êxito da carreira de Doris Day.

Truffaut, nas suas conversas com Hitchcock, lembra que Doris Day no seu livro de memórias, refere a frustração que sentia pelo laconismo de Hitchcock:

“Pensava constantemente que fora escolhida como cantora e que ele lamentava a falta de Grace Kelly. Talvez se enganasse; aliás no fim da rodagem, Hitccock disse-lhe: “Não falava consigo porque tudo estava a corre bem, mas, se alguma coisa não tivesse sido correcta ter-lhe ia dito.”

Num texto sobre Ezra Pound, Alfredo Barrosos conta:

«Há exactamente 35 anos, no dia 6 de Maio de 1958, véspera da sua libertação oficial do Hospital Federal de St. Elizabeths, onde estava internado como louco, há quase 13 anos, Ezra Pound ouviu, muito impressionado, a letra de uma canção popular difundida pela rádio. A seu lado estava sentada uma jovem estudante texana, Marcella Spann, sua admiradora e amiga, que se tornara já na derradeira amizade amorosa do poeta.

O que mais o impressionou foi o refrão da cantiga:

Que Sera Sera,
what ever will be, will be;
The future`s not ours to see.
Que Sera Sera,

Por que razão a letra desta canção o terá impressionado tanto, Ezra não o disse. Porventura o tom prosaico, ingénuo e sensato – tão tipicamente americano – do refrão, perguntando em italiano e proclamando em inglês aquilo que para o comum dos mortais parece ser uma evidência»

A melodia entrou bem no duro ouvido do meu pai, mas do que ele gostava mesmo, também era essa evidência de que o futuro não nos pertence, o que tiver de ser será.

Uma canção como “Que Sera Sera”, da autoria de Jay Livingstone e Ray Evans, atravessará todos os tempos.

Amiúde ouvimo-la, cantada em coro pelos adeptos, nos estádios ingleses de futebol.

Doris Day tem hoje 87 anos.

Como dizia o velho Groucho Marx:

Conheci Doris Day quando ela ainda não era virgem.

4 comentários:

Miguel disse...

Curiosamente, é esta a única música que me lembro de ter ouvido tocada e cantada pela minha mãe, no seu belo piano Steinway & Sons. É provável que ela tocasse outras músicas (tocava, de certeza...), mas só me consigo lembrar dessa...

Ainda estávamos na nossa casa grande de Entrecampos, onde depois foi parar a Feira Popular.Quando saíamos dessa casa eu ia fazer 5 anos, pelo que estaríamos em 1958.

Com a mudança para uma casa mais pequena desapareceu o piano, que o meu pai mandou colocar num armazém da quinta de Moscavide, com a solene promessa de o ir buscar mais tarde, quando comprássemos uma nova moradia.

Uns anos depois a minha mãe, que continuava sem a sonhada moradia, foi dar com o piano meio destruido, cheio de teias de aranha, com gatos em cima e com as teclas de marfim retiradas.

E foi assim que a música desapareceu de minha casa, e do coração da minha mãe... Muitas décadas depois ainda me falava nisso, sempre com uma lágrimazita no canto do olho.

Se alguma vez fizer Cinema hei-de imaginar uma bela cena num salão enorme, com um grande piano de cauda colocado junto à janela e a mimha mãe a tocar. Os raios de luz a entrarem pela janela não lhe deixarão ver o rosto, mas ouvir-se-á a voz...

Que sera, sera...

Jack Kerouac disse...

Belas recordações, o post e a resposta aqui do Miguel. Fico à espera desse filme, mas para começar podias adaptar o "Crónicas da América" ao cinema, filmado nos locais originais, eu até me ofereço para interpretar o teu papel gratuitamente.

Anónimo disse...

Não estavas à altura do personagem...

Nem imaginas as vezes que liguei da América, só na esperança de ouvir notícias de maus resultados do Benfica.

Não irias suportar o guião...

Abraço!

Jack Kerouac disse...

Bem...o guião não precisa de ser assim tão fiel ao livro, há sempre a parte criativa do actor, não te esqueças do "método" do Actor´s Studio. Mas tudo bem, posso ir como ajudante de cameraman, desde que vá. Já que deves preferir o George Clooney para o papel...

Abraço