quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

ENTÃO AGORA VAMOS FICAR SEM O FERNANDO ASSIS PACHECO


No dia 30 de Novembro de 1995, morria Fernando Assis Pacheco. Tinha 58 anos.

Saía da Livrareia Bucholz, quando um ataque cardíaco o vitimou.

Jornalista, poeta, romancista, um tipo de que se gostava à primeira vista.

Conheci-o nos idos de 1967, na redacção do Diário de Lisboa.

Mas o convívio aconteceu quando, juntamente com outros jornalistas do Diário de Lisboa, Raul Rego e Vitor Direito à cabeça, o Assis Pacheco, mais a sua HCESAR, se passou para o Republica.

Naquela manhã, fiquei parvo de todo a olhar os títulos dos jornais, a tentar perceber se aquilo era mesmo possível: o Assis Pacheco já não estar por aqui.

Tinha um fino humor, uma ironia cortante, uma cultura sem limites.

As suas entrevistas são de mão cheia e algumas delas encontram-se reunidas em Retratos Falados, que as Edições ASA publicaram em Maio de 2001. A Assírio Alvim tem vindo a publicar toda a sua obra.

Na sua HCESAR, escrevia com o indicador direito e gargalhava para a redacção, contando a última pilhéria.

Gozador da vida, perdia-se por vinhos e petiscos.

Deixou escrito que os melhores tordos que comeu, foram preparados pelo José Cardoso Pires no apartamento, rasgado para o Atlântico, na Costa da Caparica.

No dia em que escorregou para dentro de si mesmo, Fernando Assis Pacheco estivera a folhear livros nos escaparates da Bucholz.

Quem dedicou toda uma vida à cultura, só poderia partir assim.

José Cardoso Pires:

Aqui para nós palpita-me que não vou tardar muito a ir ter contigo, é cá uma fé, até já sei que te vou encontrar “solitário diante de uma folha branca” como o Maiakowski. Mas sabes?, enquanto por cá ando fazes-me falta. Bastante, Assis. Mesmo bastante, acredita.

DESVERSOS

Trinta anos depois continuo revoltadíssimo
Vª Exª foi de uma grande falta de chá
nem eu precsava de Angola - nunca!
nem Angola de mim - o que hoje parece claro

Vª Exª argumentava nos corredores
que eram ordens do dr. Salazar
ora adeus mandasse-o mas é a ele
tinha bom corpo para apanhar porrada

e mesmo Vª Exª podia ter feito
uma perninha como eu fiz em Zala
não sou de rancores nem pouco mais ou menos~
mas aquela merda estava mesmo parada

sabe Vª Exª o pasmo e a aflição
quando se caía em alguma emboscada?
umas vezes olhava pelo rabo do olho
outras fingia de morto e mijava-me

depois voltava-se ao acampamento
para a ternura dos cães e a tarimba rasa
um duche ao ar livre um cigarro infeliz
o gole de cerveja a atirar para o amargo

houve um fim de dia entre todos cinzento
que eu me senti o maior dos miseráveis
funesta ideia - e fui a correr esconder
a arma de serviço por sinal uma Walther

a esta hora já enterraram Vª Exª
com as competentes honras militares
mas a verdade é sempre para se dizer
trinta anos passados não me esqueço de nada


Fernando Assis Pacheco em Respiração Assistida, Assírio & Alvim, Lisboa 2003.


Nota do editor: o título do post é uma ideia roubada ao poema que Fernando Assis Pacheco escreveu quando o Ruy Belo morreu. 

Legenda: Fernando Assis Pacheco no eléctrico 28, seu transporte preferido.
Postal que faz parte de uma colecção posta à venda em 2007 durante uma exposição sobre Fernando Assis Pacheco, na Casa Fernando Pessoa, para assinalar os seus 70 anos.

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