Eu era feliz e ninguém estava morto”.
Versos de um poema de Álvaro de Campos, uma possível legenda para esta fotografia datada de Março de 1956..
O António maluco, um fotógrafo profissional, conhecido do meu pai, pedia à miudagem um-sorriso-olha-o-passarinho.
Na mesa pode ver-se o bolo de anos, que era feito em casa, arroz doce, sandes de pão de forma com fiambre e queijo, bolos secos sortidos, que seriam da “Triunfo” ou da “Nacional”.
Como por Março, antes ou depois, a Páscoa anda sempre perto, vêem-se amêndoas num pires, junto ao bolo.
Um jarro com água que era servida em taças.
Esta é a festa com os colegas da escola, os rapazes da mesma rua.
Nada de raparigas.
Nas traseiras havia quintas. Uma "vila" de gente a viver em barracas. Malta de pé descalço.
Era desta malta que gostava, mais do que da malta da rua ou da escola.
Futeboladas, matacões a servirem de balizas, bolas de trapos, muda aos cinco acaba aos dez. Apanhar lagartixas que se passeavam, ao sol, pelos muros.
No dia seguinte, com os restos da véspera, havia o lanche para os pés descalços das traseiras.
Chegavam, uns com alpergatas, outros com sandálias velhas, penteados, sem ranho no nariz, e não traziam presentes.
Também não havia raparigas.
O António maluco não estava para tirar a fotografia.
Tempos de inocência para os quais se reserva sempre um canto na memória.
A ideia deste texto pertence à Aida.
Foi ela que falou do contraste entre estas festas de anos e as de agora.
Os pais alugam salas, arranjam entertainers, contratam um outro António maluco para as fotografias. Ou são eles mesmo que tiram as fotografias, fazem as filmagens para mais tarde recordar.
Há rapazes e raparigas.
Alguém que se lembre dos versos do Álvaro de Campos para legenda.
Olho os rostos da rapaziada da fotografia dos meus 11 anos e tudo me parece estranho. Eu próprio.
Que será feito deles?
Que será feito da malta das traseiras, os que não tiveram direito a fotografia?
Sou eu que faço as perguntas mas as perguntas não têm respostas.
É como correr atrás do vento.
Nunca mais os vi!
1 comentário:
Engraçado ver-te na fotografia...ficas longe da imagem de Pai. Habituamo-nos a ver, e também porque nunca te vi sem seres,como Pai já adulto e crescido. A verdade, e como a fotografia tão bem ilustra, é que também foste um miúdo como os meus filhos, pequenos ainda, também o serão...
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