segunda-feira, 29 de março de 2010

MEMÓRIAS

“O dia dos meus anos. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto”.


Versos de um poema de Álvaro de Campos, uma possível legenda para esta fotografia datada de Março de 1956..

O António maluco, um fotógrafo profissional, conhecido do meu pai, pedia à miudagem um-sorriso-olha-o-passarinho.

Na mesa pode ver-se o bolo de anos, que era feito em casa, arroz doce, sandes de pão de forma com fiambre e queijo, bolos secos sortidos, que seriam da “Triunfo” ou da “Nacional”.

Como por Março, antes ou depois, a Páscoa anda sempre perto, vêem-se amêndoas num pires, junto ao bolo.

Um jarro com água que era servida em taças.

Esta é a festa com os colegas da escola, os rapazes da mesma rua.

Nada de raparigas.

Nas traseiras havia quintas. Uma "vila" de gente a viver em barracas. Malta de pé descalço.
Era desta malta que gostava, mais do que da malta da rua ou da escola.

Futeboladas, matacões a servirem de balizas, bolas de trapos, muda aos cinco acaba aos dez. Apanhar lagartixas que se passeavam, ao sol, pelos muros.

No dia seguinte, com os restos da véspera, havia o lanche para os pés descalços das traseiras.
Chegavam, uns com alpergatas, outros com sandálias velhas, penteados, sem ranho no nariz, e não traziam presentes.

Também não havia raparigas.

O António maluco não estava para tirar a fotografia.

Tempos de inocência para os quais se reserva sempre um canto na memória.

A ideia deste texto pertence à Aida.

Foi ela que falou do contraste entre estas festas de anos e as de agora.

Os pais alugam salas, arranjam entertainers, contratam um outro António maluco para as fotografias. Ou são eles mesmo que tiram as fotografias, fazem as filmagens para mais tarde recordar.

Há rapazes e raparigas.

Alguém que se lembre dos versos do Álvaro de Campos para legenda.

Olho os rostos da rapaziada da fotografia dos meus 11 anos e tudo me parece estranho. Eu próprio.

Que será feito deles?

Que será feito da malta das traseiras, os que não tiveram direito a fotografia?

Sou eu que faço as perguntas mas as perguntas não têm respostas.

É como correr atrás do vento.

Nunca mais os vi!

1 comentário:

Sara disse...

Engraçado ver-te na fotografia...ficas longe da imagem de Pai. Habituamo-nos a ver, e também porque nunca te vi sem seres,como Pai já adulto e crescido. A verdade, e como a fotografia tão bem ilustra, é que também foste um miúdo como os meus filhos, pequenos ainda, também o serão...