segunda-feira, 28 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Os Prazeres de Alfredo Saramago

Alfredo Saramago

Colecçaõ Peninsulares nº 49

Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 1999

Desde a antiguidade que a civilização ocidental nunca soube onde deveria arrumar os prazeres, Os estóicos atacavam-nos. Os aristotélicos não lhe acertavam com o lugar e os epicuristas defendiam-nos. No atravessar de milénios as posições modificaram-se, segundo as épocas e as circunstâncias, mas continua a haver indecisões. Eu não as tenho.

CORTEJO FÚNEBRE

Quando o carro fúnebre passou a morrer

frente ao Café

enterrei a atenção num jornal receando conhecer

aquele nome ao comprido no seu

último passeio pela vila. Os mais velhos

no Café

ousaram até à vidraça comentando

circunstâncias sobre a vida que o

morto tinha. O

sino da torre da igreja soava

tão alto lá fora

os acordes pareciam flechas

alvejando o salão. A

morte não é tudo

na vida pelo que no instante seguinte

todo o povo dispersou e os mais velhos

no Café

voltaram ao dominó

cotejando entre si a última ida ao médico

o mais recente sinal ou

sintoma de doença.

Espreitei a rua para ver se a

morte já ia longe

ainda sentia o sino a latejar na cabeça

dessa vez

(tive a certeza)

tentou ver se levava alguma

coisa de mim.

 

João Luís Barreto Guimarães

domingo, 27 de outubro de 2024

DISTO; DAQUILO E DAQUELOUTRO


Passou a ser conhecido no dia em que o então primeiro-ministro António Costa, o chamou para colocar uma certa ordem nos tempos de vacinação da Covid.

O processo correu bem e, finda  a tarefa, o Almirante Gouveia e Melo regressou à rotina dos quarteis.

Há um meio para cá, passou a falar-se da sua candidatura à eleição presidencial.

Sondagens vindas a público, dá vantagem a Gouveia e Melo face às eventuais candidaturas de Luís Marques Mendes, Pedro Passos Coelho e Mário Centeno

A partir daqui seguimos o relato do jornalista Vítor Matos no semanário do Expresso de 4 de Outubro.

Há logo o abrir de fileiras na primeira página no semanário, cujo recorte encima este texto.

O retrato que lhe fazem apresenta-o com um homem de boas características executivas, mas pouca capacidade para lidar com subtilezas política, centrista pragmático ambicioso e autoritário.

Segundo apurou o Expresso, só aceitará ficar à frente da Marinha se tiver garantias de que o governo vai aumentar o investimento de forma significativa na força naval portuguesa.

Na sua edição de 27 de Setembro o Expresso colocava na 1ª página:

Ainda segundo o Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa preferia que Gouveia e Melo permanecesse à frente da Marinha, do que ver Belém voltar a ter um militar na presidência e, em conversas particulares, tem classificado Gouveia e Melo como um «populista e autoritário».

Como suporte, ficam as afirmações de Gouveia e Melo, em recolha do Expresso nas diversas entrevistas que já concedeu aos órgãos de comunicação social.

sábado, 26 de outubro de 2024

MÚSICA PELA MANHÃ


She Loves You, Twist And Shout, Do You Want To Know A Secret e I'll Get You

Este EP dos Beatles foi o primeiro dos quatro de Liverpool a ser editado em Portugal, no dia 22 de Novembro de 1963.

Custava 60$00, qualquer coisa como 0,3 cêntimos.

She Loves You, Twist And Shout, Do You Want To Know A Secret são 3 canções extraordinárias.

Colaboração de Aida Santos

OLHAR AS CAPAS


 

Beatles em Portugal

Luís Pinheiro de Almeida

Sistema Solar CRL, Lisboa, Novembro de 2012

Uma estimativa mais ousada permite que se diga, com certeza quase absoluta, que os Beatles venderam em Portugal mais de meio milhão de discos nos últimos 50 amos. Um funcionário da Valentim de Carvalho chegou a salvar das chama do incêndio uma fichas copyright parcialmente manuscritas onde se apontava, por trimestre, o número de discos que os Beatles iam vendendo. É apenas uma ponta do novelo escondido.

O primeiro EP dos Beatles editado em Portugal, She Loves you, posto à venda no dia 22 de Novembro de 1963, terá vendido mais de oito mil unidades, quantidade que, na opinião de David Ferreira, responsável pela EMI de 1988 a 2007, é verdadeiramente surpreendente, se se considerar que o mercado discográfico, se se considerar que o mercado discográfico nacional era então praticamente inexistente. Não havai sequer LPs, que eram desmembrados em EPs.

Colaboração de Aida Santos

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Contos do Nascer da Terra

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Outubro de 2019

Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela a intimidade da nossa morada terrestre.

Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra.

Colaboração de Aida Santos

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


 A vida são sonhos que vão morrendo. Alguns não morrem completamente.

Urbano Tavares Rodrigues em Ao Contrário das Ondas

OLHARES


 coleciono fotografias de família, vendidas em alfarrabistas

por pouco dinheiro, como prova de que estamos

a uma ou duas gerações do esquecimento,

invento dedicatórias, parentescos, datas e locais,

espalho-as em molduras  pela casa para confundir visitas

e de me vigar de uma memória que me atraiçoa sem descanso

 

Tiago Araújo do poema Estudo do Rosto em Resumo: a poesia em 2010.

AH! A MEMÓRIA!...


 Bom dia, memória.

Primeiro vão-se as memórias, depois as ligações. Ou vice-versa. É assim que se morre.

A segunda frase neste texto não é minha.

Não sei quem a escreveu, onde a li.

Se pudéssemos arrumar as memórias numa caixa de cartão, onde guardamos tantas outras coisas…

A demência chegou a António Lobo Antunes.

Tem chegado a tantos e tantos outros.

Lembremos Gabriel García Márquez.

Na livraria estive a folhear o livro «Gabo e Mercedes» que um dos filhos de Garcia Márquez e a sua mulher Mercedes escreveram sobre Gabo.

Calhei na parte da história em que se escreve sobre o internamento hospitalar do escritor, na cidade do México, corria o ano de 2004, com um cancro em fase terminal, e o seu regresso a casa para morrer.

Tinha então 87 anos, em 2004 publicara o seu último romance «Memórias das Minhas Putas Tristes»

Levo o livro, não levo.

Tenho quase 80 anos.  

Apercebi-me ultimamente que me tornei sensível a certas coisas e, como tarefa diária, resolvi poupar-me.

Lentamente, fui pousando o livro no escaparate da livraria.

Tristemente, saí para a rua… E chovia…

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

BLOGUEANDO POR AÍ

Encontrado na Antologia do Esquecimento:

«Ontem, um amigo mandou-me uma mensagem a dar conta de que sua excelência a Ministra da Cultura foi para o festival literário de Óbidos gabar a rede de bibliotecas. Pois muito bem. Só que a senhora disse que as bibliotecas são centros de actividade onde inclusivamente se podem realizar aulas de tricot, yoga, croché. Hoje, o mesmo amigo envia-me a notícia de que a "Livraria Lello quer médicos a receitar livros e lança petição para que Parlamento o decida". Sic erat scriptum. Quando era livreiro tinha pesadelos com clientes que saíam da livraria com sacos cheios de canecas, lápis, baralhos de cartas, marcadores para os livros, óculos de leitura, sabonetes literários. Levavam tudo menos livros. Eram pesadelos que se tornaram realidade. A ficção não foi superada pela realidade, fundiram-se uma na outra a ponto de hoje nos ser difícil aceitar que o mundo não é um grande manicómio. Sendo este o caminho, deixo algumas sugestões: que os livreiros passem a vender ansiolíticos e que as bibliotecas se transformem em casas de passe e que os hospitais sejam discotecas e que o Parlamento produza pastéis de nata e que os parques e jardins se tornem definitivamente grandes salas de espectáculos a céu aberto e... Ah, espera, os parques públicos já são grandes salas de espectáculos a céu aberto. Enfim, chego sempre tarde ao futuro.»

OLHAR AS CAPAS


 Estudos Dispersos

Moniz Barreto

Colectânea, Prefácio e Notas : Castelo Branco Chaves

Capa: João da Câmara Leme

Colecção Portugália

Portugália Editora

Há no Sr. Eça de Queiroz um grande poeta e um romancista digno de atenção. Admiremos o primeiro, antes de estudarmos o segundo.

NOTÍCIAS DO CIRCO

Emídio Rangel, quando era director da SIC, chegou a afirmar que «uma televisão vende tudo – tanto um Presidente da República como sabonetes».

Assim aconteceu.

Marcelo Rebelo de Sousa, tirocinou na catequese dos domingos à noite da TVI, e acabou em Belém.

Luís Marques Mendes anda a tirocinar na catequese da SIC, também nos domingos à noite e, provavelmente, acabará em Belém.

António Costa, durante a pandemia colocou o almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo a coordenar a vacinação e, ao que consta, está no primeiro lugar dos candidatos à próxima eleição presidencial.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

AS PALAVRAS DESENHAM-SE NA PAREDE

As palavras desenham-se na parede.
Não há centro, tudo prolifera.
A vela entre as espinhas.
As palavras ásperas resplandecem.
São as mais nuas feridas,
as mais desertas entre pedras.

O rosto é percorrido por formigas.
Raspado, e luz uma malícia pura.
Um cigarro aqui é mais do que uma estrela.
Um risco mais rápido que um foguete.
E a seara acende-se para além do muro.

António Ramos Rosa de Esplendor Calcinado em Obra Poética Vol. I

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


 Eu, pobre homem, a minha biblioteca era um ducado suficientemente grande.

 William Shakespeare

 Legenda: Livraria Lello no Porto

domingo, 20 de outubro de 2024

NOTÍCIAS DO CIRCO

Sebastião Bogalho, um rapazola, que subiu na política através de comentários, primeiro na TVI, depois da SIC, agora, durante o Congresso do PSD, abandonou a máscara de independente (?), e aderiu ao partido.

 «O eurodeputado Sebastião Bugalho desafiou este sábado quem quer confundir o PSD com os seus adversários a perguntarem aos portugueses se não veem diferenças entre o atual executivo e "a inércia de quem não soube governar".

Num discurso no 42.º Congresso do PSD, horas depois de ter sido anunciada a sua adesão ao partido, Sebastião Bugalho disse que decidiu tornar-se militante para "servir, retribuir", mas também para combater tanto os adversários dos sociais-democratas, como aqueles que os querem confundir.»

 Do «Diário de Notícias»

COMEÇOS DE LIVROS


Das mais gostosas aventuras nas longas, longas, longas leituras que tenho percorrido nesta vida, são os começos de livros. Também os finais. Também as capas.

E então as frases, os parágrafos, as páginas largamente sublinhadas?

No fundo de todos os fundos: os livros.

Ler prejudica gravemente  a ignorância.

Uma notícia muito triste que, recentemente, se soube: António Lobo Antunes não mais escreverá um romance. Uma linha sequer? pergunta-se. Perdeu a fala, perdeu a memória.

O começo que colocarei hoje, é o do Conhecimento do Inferno, o tempo em que António Lobo Antunes me maravilhava com os seus livros.

«O mar do Algarve é feito de cartão como nos cenários de teatro e os ingleses não percebem.»

sábado, 19 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Aquilino em Paris

Jorge Reis

Capa: José Artur

Colecção Outras Obras nº 8

Editora Veja, Lisboa s/d

Como conheço tantas palavras? Porque li e reli os clássicos… porque estudei, esmiucei o Camilo… e porque tenho passado a vida a prestar atenção ao que os outros dizem… Sim, sim, a menos de ser surdo, um escritor que tem a peito escrever na sua língua, deve anotar cada palavra, cada expressão que lhe encanta ou lhe fere o ouvido… A língua do povo é um manancial!... Se o escritor assim proceder, verá que, no momento oportuno, todo esse léxico virá por seu próprio pé ao sabor da escrita. Mas foi com os nossos clássicos e com os homens e mulheres da minha região que elaborei a minha língua e, com ela, o meu estilo… que vale o que vale, mas que é o meu!

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS

 

Sindicatos e Luta de Classes

Henri Krasucki

Tradução: Mário Neto

Colecção Praxis nº 9

Editorial Estampa, Lisboa, Outubro de 1971

O que define o capitalista, não é ser ele bom ou mau, bem educado ou grosseiro, é a sua «função» nesse sistema: não se pode ser capitalista sem explorar os trabalhadores, e não imperfeitamente, o mais que for possível.

NOTíCIAS DO CIRCO

António Ricciardi, presidente do conselho superior do Grupo Espírito Santo, num depoimento prestado em Outubro de 2015 ao Ministério Público, disse saber pouco sobre o GES e assinava documentos sem ler.

«Ricardo Salgado é que controlava a gestão do grupo».

Rui Costa, agora presidente do Sport Lisboa e Benfica, fez parte da SAD nos tempos em que Luís Filipe Vieira era o presidente.

Segundo depoimento prestado por Luís Filipe Vieira, Rui Costa desconhecia os documentos, provenientes da SAD, que assinava. Ele, Vieira, é que controlava tudo, e sabia de tudo.

QUAL TEM A BORBOLETA POR COSTUME

Qual tem a borboleta por costume,

que, enlevada na luz da acesa vela,

dando vai voltas mil, até que nela

se queima agora, agora se consume,

 

tal eu correndo vou ao vivo lume

desses olhos gentis, Aónia bela ;

e abraso-me, por mais que com cautela

livrar-me a parte racional presume.

 

Conheço o muito a que se atreve a vista,

o quanto se levanta o pensamento,

o como vou morrendo claramente;

 

porém, não quer Amor que lhe resista,

nem a minha alma o quer, que em tal tormento,

qual em glória maior, está contente.

 

Luís de Camões em Sonetos

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO

Quanta vez o que resta é essa frágil chave
perdida na algibeira da infância.

Vasco da Costa Maques

OLHAR AS CAPAS


Ao Contrário das Ondas

Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Henrique Cayatte

Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 2006

É impressionante como numa cidade com uma oferta cultural tão rica como Lisboa (música da melhor, algum cinema bom e o ballet renovado, as grandes exposições) há tão pouca procura e se mantém no galarim esta gente bacoca, espertalhona e pobre de espírito que ostente uns três automóveis de luxo e tem duas casas de veraneio e quantas vezes mistura negócios sujos com o seu peso político. Gente com ódio à liberdade e com desdém pelo povo, excepto quando fazem discursos eleitorais. 

PODÍAMOS SABER UM POUCO MAIS

Podíamos saber um pouco mais

da morte. Mas não seria isso que nos faria

ter vontade de morrer mais

depressa.

Podíamos saber um pouco mais

da vida. Talvez não precisássemos de viver

tanto, quando só o que é preciso é saber

que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais

do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar

de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou

amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada

sabemos do amor.

Nuno Júdice

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


A melhor maneira de acabar com uma tentação é ceder a ela.

Oscar Wilde

Legenda: pintura de  Michael Ancher

OLHAR AS CAPAS


Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Março de 2018

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida