domingo, 6 de abril de 2025

À LUPA

«Cinema e jazz, artes do século, muito paralelas, à espera do infinito.

O que é pois certo é que o cinema nunca foi ao jazz, enquanto todo o jazz já foi ao cinema, até TeteMontoliu, pianista cego, foi ver Emmanuelle

José Duarte em Jazzé e Outras Histórias

CONVERSANDO


 O que ontem se publicou em Sublinhados Saramaguianos serve apenas para registar onde pode chegar a ignorância, a maldade, a inveja, o ódio.

Tentado que estive a colocar uns comentários, acabei por desistir.

Sou um saramaguiano à minha maneira.

Nunca fui coleccionador de primeiras edições, nunca frequentei lançamentos de livros e apenas tive um brevíssimo diálogo com José Saramago na Festa do Avante de 1977, e nesse dia fiquei com o único autógrafo que pedi e se encontra no livro O Ano de 1993.

Contudo, se tenho primeiras edições dos livros de Saramago, é porque me apressei a comprá-los para os poder ler, e apenas por isso.

Não conheço o trabalho da jornalista Christina Martins. Já há um bom tempo deixei, por motivos de higiene, de ler o Expresso. O que António Guerreiro, escreve na sua crónica do Público, serve para memória futura.

Para além dos livros de Saramago, tenho vindo a comprar obras de autores que tratam da obra e do cidadão José Saramago.

É o caso de Um País Levantado em Alegria de Ricardo Viel, publicado por ocasião dos 20 anos sobre a atribuição do Nobel a Saramago.

Para amenizar a azia que me saltou, poderia recorrer a uma Rennie, mas peguei neste livro e copio do prefácio de Eduardo Lourenço:

«O merecido sucesso de José Saramago coroa um destino de escritor que deve tudo à violência da sua vontade de escalar os céus, sem pressa, dando tempo ao tempo. José Saramago pertence a uma linhagem mais rara do que se julga, a dos que escrevem depois de ter vivido. E à mais rara ainda, sobretudo na nossa tradição, de não ceder à natural tentação de se vingar da vida, do mundo, da História, glosando compulsivamente a sua experiência subjectiva e fazendo girar o mundo à sua volta.»

Onde é que aqui entra o pormenor de Isabel da Nóbrega ensinar José Saramago a comer com faca e garfo?

 Valham-nos os deuses todos, mas todos mesmo, do Olimpo!

O OUTRO LADO DAS CAPAS


As grandes leituras também se fazem com livros baratos.

 As dificuldades económicas que naquele se viviam, obrigavam a recorrer às pequenas colecções que se iam publicando. O caso da Mosaico «pequena antologia de Obras-Primas», dirigida por Manuel do Nascimento.

Tal como escreve no prefácio de abertura da Colecção Mosaico:

«Mosaico embora modestamente, pretende representar um corte, mas um corte nítido, vincado, sobretudo na literatura de ficção, de todos os tempos. Muitos portugueses existem que desconhecem um Maupassant, que ignoram mesmo a obra dum Camilo, que nunca ouviram falar dum Carlos Malheiro Dias, dum António Patrício, dum Aquilino Ribeiro. Machado Assis continua a ser um escritor ignorado e num Silone, num Graciliano Ramos, num Pirandello, num Francisco Costa, num Graham Greene só umas escassas centenas de leitores repararam ainda.

«Mosaico» será uma antologia de iniciação cultural e foi concebida com um único intuito: o de desvendar um véu, de ensaiar os vossos primeiros passos no vasto campo da literatura mundial.»

A admirável aventura, como chamava Manuel do Nascimento à Colecção Mosaico, custava 4 escudos e já anunciava o nº2 com um conto de Erskine Caldwell.

«Nada como as artes existe para transformar em beleza a vida dos homens».

OLHAR AS CAPAS


O Cego de Landim

Camilo Castelo Branco

Capa: Bernardo Marques

Colecção Mosaico nº 1

Edição de Fomento de Publicações, Lisboa s/d

Foi há treze anos, em uma tarde calmosa de Agosto, neste mesmo escritório, e naquele canapé que o cego de Landim esteve sentado. São inolvidáveis as feições do homem. Tinha cinquenta e cinco anos, rijos como raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Ressombrava-lhe no semblante anafado a paz e a saúde da consciência. Tinha as espáduas largas; cabia-lhe muito ar no peito; coração e pulmões aviventavam-se na amplidão da pleura elástica. Envidraçava as pupilas alvacentas com vidros esfumados, postos em grandes aros de ouro. Trajava de preto, a sobrecasaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas amarrotadas e apoiava a direita no castão de prata de uma bengala.

BLOGUEANDO POR AÍ

O título da prosa é «Sondagens» escrita por hmbf no seu Antologia do Esquecimento:

«Uma pessoa olha para as sondagens e não acredita", diz Amélia. Acredite, Amélia, porque isto não tem nada que saber, nascemos corruptos, crescemos amorais e morremos cheios de virtudes. Portugal é, sempre foi, e não consta que venha a ser outra coisa, um país de favorzinhos, amigos de seus amigos que desenrascam amigos, país de chicos espertos. Isaltino Morais foi eleito na prisão e por aí anda a fazer vídeos sobre rotundas e distribuir comentários na TV, Albuquerque prepara-se para ter maioria absoluta e Montenegro cavalgará a onda. As pessoas não querem saber de truques porque vivem de truques, são iguais, sentem-se legitimadas e desculpadas quando aproveitam a cunha na junta de freguesia, nos serviços camarários, na bicha do hospital, no banco & etc. Andámos anos ajoelhados no beija-mão a Berardo, oferecemos maiorias a Sócrates e Cavacos e tecnoformas e submarinos. Enfim, somos sensíveis a licenciaturas por correspondência e plágios porque não é Doutor quem quer. Isso nem pensar. Mas em sendo, pois que não seja parvo e desça ao nível da realidade genérica e genética: está no adn português, os obséquios, as mercês, os favorzinhos, as amabilidades, as simpatias, os amiguismos. Tudo isto com sentido crítico e doutoramentos em axiologia e ética, que servem, bem sabemos, para passarmos por quem não somos neste reino da hipocrisia.»


MÚSICA PELA MANHÃ

 Woody Allen na apresentação, no Festival de Veneza,  de «Anything Else», por cá chamou-se «A vida e Tudo o Mais», disse que o melhor de cada novo filme é o momento em que se fecha numa sala a selecionar clássicos de jazz para a banda sonora.

E quem ouver os seus filmes percebe bem o que ele está a dizer.

Alguma da música que possuo ouvia em bandas sonoras de filmes.

Comprei a Rusalka de Dvorak porque ouvi excertos num filme do João César Monteiro. Comprei Dido and Aeneas de Frank Purcell porque «Thy hand, Belinda… when I am laid in the Earth» é cantada no final de um filme espanhol que penso chamar-se O Pássaro da Felicidade. Comprei o «Concerti della Natura de Vivaldi porque alguém num texto no Público dizia que era algo imperdível. Comprei o Magnificat de Monteverdi porque José Saramago o refere no final de Manual de Pintura e Caligrafia.

Sempre que um crítico me diz que eu não mereço o ar que respiro se não ouvir determinado disco, não hesito. Já tenho levado com algumas desilusões mas isso são os riscos inerentes a quem não tem educação musical e possui uma incomensurável ignorância, vai construindo a sua discoteca com base em opiniões várias.

Desde os finais dos anos 60 que perseguia uma peça musical que servia de indicativo musical, ou música incidental, do Programa da Manhã, na então Emissora Nacional, que era apresentado pelo Pedro Moutinho que, para além de uma bela voz, tinha aquilo a que se pode chamar um “feeling” radiofónico, pena o ter sido um salazarista convicto…

Ninguém é perfeito.

Era um tema coral de carácter religioso e a dada passo o coro entoava «Victoire, Victoire»

Contactei os diversos departamentos da RDP, mas nunca conseguiram dar-me qualquer informação. Enviei cartas e mails a diversos melómanos, críticos de música clássica dos jornais, mas face aos escassos detalhes também não conseguiram dar-me qualquer indicação.

O crítico Augusto M. Seabra, não estava obviamente seguro, mas lançava a pista de um coro de Rameau, de «Le Temple de la Gloire, com libreto de Voltaire em que se canta: “Toi que la victoires/Couronne en ce jour,/Ta plus belle gloire/Vient du tendre Amour»

Comprei o disco de Rameau, mas não era o que procurava. Outros referiram o moteto Victoires, gravado por Remé Jacobs, chegaram a dizer que poderia ser de alguma Missa Solene mas segundo me adiantaram as Missas Solenes ou Requiens são, na sua esmagdaora maioria em latim.

 Sei o que é pretender desesperadamente encontrar um livro, uma música, um filme e não o conseguir, porque não os sei identificar correctamente ou porque, pura e simplesmente, já não existem e não conhecemos quem os tenha. É assim uma espécie de ansiedade, de sufoco, de angústia e insatisfação constantes.

Por um golpe de sorte, um dia, andar à procura de uma música no You Tube, e ter, de repente, esbarrar com a tal música que há anos procurava.

Não direi que foi uma desilusão e que era bem melhor o desejo da coisa do que a própria coisa. Simplesmente determinadas coisas, como tudo, têm tempos, têm momentos.

A tal música fica aqui.

Passados todos estes anos, a história começa em 1966, como é que o meu ateísmo ficou agarrado a um tema de louvor religioso. João Bénard da Costa, se andasse por aqui, talvez explicasse, ele que, por Cristo na Cruz, citava uma frase de Romano Guardini:

 «O Cristo na Cruz! Ninguém conseguirá jamais perceber este mistério!»

 Mas ele, Bénard tão pouco sabia porque de «há muito longo tempo» reteve a frase.

 

Legenda: Pintura de Paul Gauguin

sábado, 5 de abril de 2025

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Acima copia-se a crónica «Acção Paralela» que António Guerreiro, publica, às sextas-feiras» no suplemento Ípsilon do jornal Público, 5 de Abril de 2025, com o título «Retrato do Escritor Enquanto Energúmeno».

Passados estão quase 30 anos sobre a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago.

Volta e meia volta a lengalenga de que Isabel da Nóbrega fez do labrego um senhor: «Se não fosse a Isabel, quem seria o Saramago, que nem saber comer à mesa

Agora foi um artigo/reportagem publicado no Expresso, assinado por Christiana Martins.

O velho Luiz Pacheco é que os topou bem:

«Aí a raiva de muita gente não foi contra o escritor – que não lêem – nem foi contra o próprio Saramago - que não conhecem de parte nenhuma -, foi contra o comunista que ganhou o Nobel. E também contra o gajo que ganhou cento e tal mil contos! Inveja em estado puro.»

MÚSICA PELA MANHÃ

Os relatos do futebol pela rádio.

As perfeitas tardes de domingo de um tempo perdido para sempre, vozes que ainda ouço apesar de já não andarem por aqui.

As tardes de domingo, os jogos a começarem todos à mesma hora, os relatos na Emissora Nacional, as marchas do John Philip de Sousa, enquanto se aguardava a ligação ao estádio, o Artur Agostinho, o Amadeu José de Freitas, o Nuno Brás e era apenas o relato de um jogo, mais tarde passaram a dois: «atenção Nuno, jogada perigosa».




sexta-feira, 4 de abril de 2025

POSTAIS SEM SELO


Os optimistas escrevem mal.

Paul Valéry

OLHAR AS CAPAS


Realismo, Arte de Vanguarda e Nova Cultura

Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Espiga Pinto

Colecção Poesia e Ensaio nº 15

Editora Ulisseia, Lisboa, Junho de 1966

Vale ainda a pena escrever romances? – eis uma das perguntas mais iquietantes que o escritor formula, numa altura em que o disco, a TV e o cinema (e este com um poder de comunicabilidade por certo superior ao da ficção escrita) polarizam a atenção das massas.

REOLHARES


A secção Reolhares, a propósito dos 15 anos deste Cais, em que decidimos copiar textos que por aqui foram publicados, também dizem respeito ao que já foi apresentado em Olhar as Capas.

É o caso de hoje.

Na Biblioteca da Casa encontramos duas edições de Nuno Bragança: a que foi apresentada em 20 de Fevereiro de 2015 e foi editada pela Morais Editora, volume nº 2 da Colecção Círculo de Prosa e esta, editada pela Assírio e Alvim, (Dezembro de 1985), volume nº 5 da Colecção A Phala.

Comprei a edição da Assírio, a um preço bem acessível, num vão de escada da Rua Edith Cavel, porque está enriquecida com um prefácio de Manuel Gusmão, a razão primeira é que se trata de um grande livro que fica muito melhor com um grande prefácio.

« Estive na Cidade e vi lá uma desagradável balbúrdia.

Eu estava no pátio em frente ao Tribunal; e estava a beber água porque tinha muita sede. Nisto, gritos, patadas e pedidos de socorro: tudo dentro de uma capelista. Quando vi um polícia magro a limpar o cacete à aba do casaco percebi que o sarilho era curioso, porque o polícia era magro (o que me pareceu muito curioso). Fui ver e tive custo em perceber o que a capelista me explicou em lágrimas de raiva.

Parece que um homem que estava a comprar tabaco zangou-se com a Justiça e declarou que se ia queixar ao Ministro. Mas também estava ali um advogado, e disse ao homem que aquilo era asneira grossa.

«Porquê?», perguntou o homem.

«Por causa da Independência Jurisdicional», disse o advogado.

«O que é que isso quer dizer?», perguntou o homem que não era letrado.

«Quer dizer que ninguém manda nos Tribunais porque eles mandam em si mesmos ou seja uns com os outros.»

A bofetada foi tão grande que meia hora depois o homem se queixava da mão.

Custou-me um bocado não pregar um par de murros na capelista.

Porque é que estes advogados não se contentam com falar nos tribunais? E sobretudo não há direito que uma capelista se ponha aos berros só por causa dum episódio corriqueiro.»

UM COMBOIO PODE ESCONDER OUTRO

Em 100 anos a lista de pensadores pessimistas sobre os efeitos desta aceleração da história cada vez maior e mais ampla cresce igualmente a grande velocidade mas, apesar de todos os avisos, de todos os diagnósticos e de todas advertências, nada desacelera, nada pausa, nada corrige a rota.

Talvez estes pessimistas estejam totalmente errados mas, se olhar para as notícias das últimas semanas, entre as reações às taxas alfandegárias de Trump e o kit com canivete suíço da Comissária Europeia Hadja Lahbib; entre mais matanças de palestinianos e o descarado saque das riquezas da Ucrânia; entre a corrida aos armamentos e a ameaça da guerra nuclear; entre a degradação da democracia e o prenúncio norte-americano de ocupação da Gronelândia; entre líderes da União Europeia claramente estupidificados e líderes portugueses significativamente alienados... parece-me que, pelo menos, esta conclusão é válida: neste mundo acelerado pelo maravilhoso comboio do capitalismo digital, a velocidade estonteante de más decisões políticas está, com grande rapidez, a levar-nos ao descarrilamento global.»

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

O MAESTRO SACODE A BATUTA

O maestro sacode a batuta,

E lânguida e triste a música rompe...

Lembra-me a minha infância, aquele dia

Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal

Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado

O deslizar dum cão verde, e do outro lado

Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo,

Prossegue a música, e eis na minha infância

De repente entre mim e o maestro, muro branco,

Vai e vem a bola, ora um cão verde,

Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância

Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,

Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal

Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo...

(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)

Atiro-a de encontro à minha infância e ela

Atravessa o teatro todo que está aos meus pés

A brincar com um jockey amarelo e um cão verde

E um cavalo azul que aparece por cima do muro

Do meu quintal... E a música atira com bolas

À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos

De batuta e rotações confusas de cães verdes

E cavalos azuis e jockeys amarelos..,

Todo o teatro é um muro branco de música

Por onde um cão verde corre atrás da minha saudade

Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...

E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,

Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa

Com orquestras a tocar música,

Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei

E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...

E a música cessa como um muro que desaba,

A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,

E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,

Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,

E curva-se sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,

Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...

 

Fernando Pessoa

quinta-feira, 3 de abril de 2025

POSTAIS SEM SELO


As minhas personagens verdadeiramente fortes, verdadeiramente sólidas são sempre as figuras femininas. Não é porque eu tenha decidido, é porque sai-me assim. Não há nada de premeditado. Provavelmente isso resulta de que a parte da humanidade em que eu ainda tenho esperança é a mulher.

José Saramago

Legenda: Rosa Parks

OLHAR AS CAPAS


Inquérito Póstumo

Horácio Tavares de Carvalho

Capa: Antunes

Círculo de Leitores, Lisboa, Março de 1981

O Echevarria é que tinha razão. A Costa é para gozar no Inverno. A única diferença reside na temperatura da água, Mas que importa isso, afinal? O prazer do mar, como dizia o Luís, é poder vê-lo, sentir-lhe o cheiro e apanhar-lhe a brisa. É poder sonhar com ele no Inverno. Para manter o calor, temos o chuveiro… É diferente, eu sei, mas, ponderados os pós e os contras, continuo a preferir a Costa fora da estação. Poder pelas ruas quase vazias, poder escolher o restaurante que no Verão está sempre apinhado de gente, poder tudo observar calmamente, sem a presa de só poder ver e desandar, não ter as estradas congestionadas por uma Babel de línguas e não ver a paisagem estragada pelos restos das refeições enlatadas. Cada um tem o direito de fazer turismo onde lhe der na gana. Como cada um tem o direito de fugir ao turismo para se refugiar num buraco onde ninguém ponha os pés. Dizia o Echevarria, esse oráculo da sabedoria popular.

NOTÍCIAS DO CIRCO

As sondagens são o que são, cada cor, seu paladar.

Uma sondagem da Universidade Católica para o Público, RTP e Antena 1 mostra que as eleições, com ligeiras alterações, vão deixar o país na mesma, ou seja: ingovernável.

Foi isto que o primeiro-ministro espinhense, acolitado por aqueles jotas laranjas, quis. Uma chico-espertice-de-vendedor-de-banha-da-cobra, que ontem atingiu um parvo e saloio climax, como referia o editorial do Público - Cuidado com as Confusões:

«O Governo juntou-se nesta quarta-feira, em peso, no Porto, para fazer o balanço do seu primeiro (e único) ano de governação. A reunião de ministros realizou-se numa sala do icónico Mercado do Bolhão e a conferência de imprensa acabou por acontecer no piso das bancas.

Cuidado com as confusões!
De passagem pelo mercado, Luís Montenegro cumprimentou os vendedores, distribuiu beijos, tirou selfies, e o executivo seguiu a pé para o almoço no Café Majestic, na Rua de Santa Catarina — por onde passarão tantas campanhas partidárias até ao dia 18 de Maio.»

TAREFA

Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.

Geir Campos

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Esta é a capa do 1º e restantes 7 volumes da História de Portugal de Alexandre Herculano.

Era comum, há algum longo tempo, as editoras encadernarem obras dos seus autores mais representativos e promoverem a sua venda em volumes encadernados, que vendiam a preços razoáveis, e em suaves prestações mensais. Neste campo, a Biblioteca da Casa regista estas obras de Alexandre Herculano, bem como a obra de JúlioDinis.

Para além dos 8 volumes que compõem a História de Portugal a «oferta» da Bertrand completava-se com:

Cartas – 2 volumes

Poesias

Estudos Sobre o Casamento Civil

Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem

Composições Várias

Segundo a História da Literatura Portuguesa de António José Saraiva e Óscar Lopes, o 1º Volume da História de Portugal aparece em 1846, no ano da Maria da Fonte.

«Algumas das razões que levaram Herculano a interessar-se pelo romance histórico estão na origem do seu interesse pela história científica. Mas este último não pode ser compreendido se o não ligarmos às condições do ambiente, mais especificamente, aos problemas sociais e políticos levantados pela instauração do Liberalismo em Portugal.»

As etapas dos 8 volumes da História de Portugal:

1º volume: Introdução

2º volume: 1907-1185

3º volume: 1185-1211

4º volume: 1211-1223

5º volume: 1223-1247

6º volume: A Sociedade – Primeira Epocha - Origens da População/Classes                                     

                   Inferiores

7º volume: A Sociedade – Os Concelhos

8º volume: Indice geral e Analytico

OLHAR AS CAPAS


História de Portugal

Alexandre Herculano

1º Volume

Desde o Começo da Monarquia até o Fim do Reinado de Afonso III

Livraria Bertrand, Lisboa s/d

Commettendo uma empresa, cuja importancia, grande ou pequena, deixarei que outros avaliem, talvez seria o melhor abster-me de quaisquer reflexões preliminares. 

A ÉTICA NADA CONTA PARA OS ELEITORES

«Este à vontade de Montenegro, caricato em quem vai a votos sob maior escrutínio ético, resulta da convicção de que o bom momento económico e orçamental (distribuição de dinheiro) garante benevolência e a multiplicação de notícias oferece o cansaço. A notícia sobre uma investigação judicial que o envolve, num processo onde uma empresa com relação com a sua casa parece ter sido beneficiada na obra mais cara de Espinho pelos pareceres do seu escritório (que tinha a autarquia como cliente), já não teve o impacto da avença. E, no entanto, estão ali vários indícios sobre as relações “empresariais” e partidárias que ligam Espinho, Braga, câmaras do PSD, construtoras e Montenegro. Todas as pistas indicam o mesmo perfil. Mas há um instinto de negação coletiva que não parece querer voltar a lidar com gente assim.

Se, resultado de umas eleições provocadas por estes casos, Montenegro reforçar a sua votação, concluindo-se que a ética nada conta para os eleitores, o à vontade passará a ser à vontadinha. E preparamos um caldo perigoso para o fim do ciclo que começa em maio. Se assim for, até já tenho a frase para o próximo outdoor da AD, com a cara de Luís Montenegro: “Se falhei muito, dêem-me maioria, para falhar melhor”.»

Daniel Oliveira no Expresso

«Era aceitável que Luís Montenegro continuasse em funções se fosse ministro de um outro qualquer primeiro-ministro? Não.

Se o primeiro-ministro fosse, por exemplo, Jorge Moreira da Silva ou Miguel Morgado, já o teriam demitido da pasta que ocupasse desde as primeiras notícias sobre a empresa.

Agora, quando o Expresso revela que o escritório de Luís Montenegro, que trabalhava para a Câmara de Espinho, fez pareceres a defender a empresa de construção ABB contra a própria câmara, o caso sobe um patamar. O próprio Luís Montenegro terá assinado um dos pareceres favoráveis ao empreiteiro que depois lhe forneceu o betão para a sua casa de luxo em Espinho. Isto são coisas normais?»

Ana Sá Lopes no Público

ESTE NINISTRO É UM MENTIROSO

Este ministro é um mentiroso

que agonia quando ele discursa

e se fosse só isso: bale sem jeito

às meias horas seguidas – e não pára!

 

bem-aventurados os duros de ouvido

a quem o céu abrirá as portas

desliguem p.f. o microfone

ou então tirem o país da ficha


Fernando Assis Pacheco  de Desversos em RespiraçãoAssistida

terça-feira, 1 de abril de 2025

POSTAIS SEM SELO

Uma vez que uma coisa está prestes a acontecer, tudo o que podes fazer é esperar que isso não aconteça. Ou não, se depender da vontade. Enquanto viveres, haverá sempre algo à espera, e mesmo que seja mau e saibas que é mau, o que podes fazer? Não podes parar de viver.

Truman Capote

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia


BLOGUEANDO POR AÍ

Já quase não há blogues.

Ainda frequento alguns, velhos conhecidos que têm ficado imunes à javardice que por aí campeia.

A Antologia do Esquecimento, do Henrique Manuel Bento Fialho é um desses blogues a que me chego.

 Este texto, está datado de 19 de Março de 2024:

EU CONHEÇO-OS

«Eu conheço-os, sei quem são, sentei-me à mesa com eles, vimos a bola juntos, frequentamos os mesmos cafés, cruzamo-nos na rua, sim, eu sei, são primos, gente chegada, até amigos, de outrora, de agora, cheios de raiva, consumidos pelas frustrações pessoais, explorados em empregos de merda, na loja do shopping, sim, onde foram parar com currículos medíocres depois de uma vida inteira a cuspir nos livros, ler para quê, estudar para quê, pois se até os professores são infelizes, sim, têm irmãos que queimaram as pestanas para acabarem como caixas de supermercados, parvalhões, mais valia terem emigrado, arranjavam um trabalho de merda na Suíça a ganharem o dobro ou o triplo do que ganham cá, a limpar a merda dos outros, a servir à mesa, a apanhar batatas, a fazer camas nos ferries, a ladrilhar o chão que alguém há-de pisar, cá não, isso é para os monhés, que o trabalho é bom para o preto e eu sou filho de boa gente, até fui baptizado, cá a gente arranja amigos, mete uma cunha, dedica-se à sucata, constrói uma vivenda a fugir aos impostos e faz uma piscina com os fundos sacados ao Estado, que Deus Nosso Senhor mandou-nos ser bons mas não mandou ser parvos, cá a gente glorifica os carvalhos e os vieiras e os berardos, frequentamos as quintas de uns e as sextas dos outros, arranjamos um bom partido e adoramos o senhor doutor, o senhor engenheiro, até que caiam na desgraça e se afundem para nosso espanto, quem diria, tão boas pessoas, amigos de seus amigos, isto, enfim, uma pessoa já nem sabe com o que pode contar, e siga, um Mercedes para exibir na aldeia, uma moto quatro para entreter os fins-de-semana, férias no Algarve, mariscadas, bola e toiros e Quim Barreiros, tasquinhas, feiras medievais e passadiços, uma paisagem deslumbrante no miradouro com balancé panorâmico e faz-se a festa, que à noite temos novo episódio do Quem quer casar com o agricultor?, e temos a Cristina e o Goucha e a CMTV com um desfile de crimes para entreter as horas a destilar o ódio aos pretos, aos ciganos, que isto já não se pode andar na rua, não fossem os bombeiros e a polícia o que seria de nós, de nós e da Mónica Silva, desaparecida para encher noticiários, a nossa telenovela da vida real, sim, eu sei, isto aqui está tudo bem, são vidas, ai que gente, e ele é o macaco, golo, ele é o Pinto da Costa, um senhor, até diz poemas de cor, ele são 25 mulheres assassinadas, enfim, algumas, eh pá, eu não sou machista, mas algumas estavam a pedi-las, eu não sou racista, até tenho amigos, pronto, assim pretos, não é, que isto cada um é como cada qual, entre marido e mulher não metas a colher, vai para a tua terra, a minha terra é aqui, é isto, eu sei, tanto Abril, tanta educação, somos os melhores na bola, o Mourinho já deu o que tinha a dar, o Ronaldo já deu o que tinha a dar, venha daí um novo Salazar, um em cada esquina, que este país está a precisar é de um novo 25 de Abril com um Salazar em cada esquina, para acabar com os corruptos, os outros, não eu, que eu sou bom tipo, não faço mal nem a uma mosca, não me meto em esquemas nem conheço quem meta, não sei, não vi, não ouvi, isso não é comigo, não tenho nada que ver com isso, deixem-me em paz, deixem-me em paz antes que parta esta merda toda, agora nem casa tenho, vou comer pizza, vou para fora, vou para fora cá dentro, vou ver o RAP, vou, sei lá, comer uma bifana e arrotar postas de pescada.»

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO

As Nações Unidas acusaram Israel de ter morto 15 paramédicos e socorristas “um a um” e de os ter enterrado numa vala comum, noticiou o diário britânico The Guardian.
As notícias sobre o que aconteceu a um grupo de paramédicos e socorristas no Sul da Faixa de Gaza têm surgido aos poucos, com Israel a ter, no fim-de-semana, admitido, numa “avaliação inicial”, que disparou contra veículos que dirigiam-se em direcção às suas forças de modo suspeito, e ter depois verificado que entre estes veículos estavam ambulâncias e veículos de bombeiros.»

Texto e fotografia do Público

CORAÇÃO

1

Tosca e rude poesia:

meus versos plebeus

são corações fechados,

trágico peso de palavras

como um descer da noite

aos descampados.

 

Ó noite ocidental,

que outra voz nos consente

a solidão?

Cingidos de desprezo,

somos os humilhados

cristos desta paixão.

 

E quanto mais nos gelar a frialdade

dos teus inúteis astros,

mortos de marfim,

mais e mais, génio do povo,

cantarás em mim!

 

Carlos de Oliveira de Mãe Pobre em Poesias