sexta-feira, 6 de agosto de 2010
HIROXIMA
John Hersey, jornalista do “The New Yorker”, em 1946, um ano depois da bomba atómica ter caído sobre Hiroshima, chega à cidade para mostrar, aos seus leitores, o que fora o mais terrível dos dias.
Encontra seis sobreviventes – duas mulheres e quatro homens, um deles religioso alemão e, à volta dos seus depoimentos, das terríveis experiências vividas, escreveu uma vibrante e memorável reportagem, publicada na edição de 31 de Agosto de 1946, que acabaria por receber o “Prémio Pulitzer” e que, mais tarde, sairia em livro.
Com a reportagem de John Hersey, os norte-americanos passavam a ter uma outra visão do que fora o acto vergonhoso de Hiroshima, bem contrária à aura de glória que os governantes sempre quiseram que esse hediondo crime tivesse: que acontecera em nome da Liberdade, da Paz, da Democracia, do Progresso.
Este é o início de “Hiroshima” de John Hersey:
“Exactamente às oito horas e quinze minutos da manhã de 6 de Agosto de 1945, hora japonesa, no momento em que a bomba atómica relampagueou sobre Hiroshima, a Menina Toshiko Sasaki, empregada de escritório na secção de pessoal da “Construções Metálicas da Ásia Oriental, acabava precisamente de sentar-se no seu lugar no escritório da fábrica, e estava a voltar a cabeça para falar à rapariga da secretária mais próxima. No mesmo momento, o dr. Mazakazu Fujii instalara-se de perna traçada no pórtico da sua clínica particular, debruçada sobre um dos sete rios do delta que divide Hiroshima, a fim de ler o “Asahi” de Osaka; a srª Hatsuyo Nakamura, viúva de um alfaiate, encontrava-se à janela da cozinha observando um vizinho que demolia a sua casa situada numa linha de protecção contra incêndios causados por ataques aéreos; o Padre Wilhelm Kleinsorge, sacerdote alemão da Companhia de Jesus, deitado em trajos menores numa cama do último dos três andares do prédio pertencente à sua Ordem, lia uma revista jesuíta, “Stimmen der Zeit”; o dr. Terefumi Sasaki, jovem membro da equipe de cirurgia do amplo e moderno Hospital da Cruz Vermelha da cidade, caminhava por um dos corredores do edifício, levando na mão uma amostra de sangue para uma reacção de Wassermann; e o reverendo sr. Kiyoshi Tanimoto, pastor da igreja metodista de Hiroshima, descansava à porta de um homem rico, em Koi, o subúrbio ocidental da cidade, e preparava-se para descarregar um carro de mão cheio de coisas que tinha evacuado da cidade com medo de um ataque maciço dos B-29 que toda a gente espertava que Hiroshima sofresse. A bomba atómica matou cem mil pessoas e estas seis ficaram entre os sobreviventes. Ainda se espantam de estarem vivos quando tantos outros morreram. Cada um deles aponta os múltiplos pormenores de sorte ou vontade – um degrau subido a tempo, a decisão de entrar num edifício apanhando um eléctrico em vez do eléctrico seguinte – que os salvaram. E agora, cada um deles sabe que no acto de sobreviver viveu uma dúzia de vidas e viu mais morte do que alguma vez pensara poder ver. Naquele momento nenhum deles percebeu o que quer que fosse.”
John Hersey, “Hiroshima”, nº 87 da “Colecção Miniatura”, edição “Livros do Brasil” Lisboa s/d, Tradução de Rogério Fernandes, capa de Bernardo Marques.
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