quarta-feira, 10 de maio de 2023

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

José Saramago é de opinião que as melhores personagens dos seus livros são mulheres.

Mas nunca teve uma relação fácil com a mãe.

A morte prematura de Francisco, seu irmão mais velho, abalará profundamente qualquer relacionamento. O relacionamento com os pais aparece como uma situação delicada na infância do escritor. Por dificuldades económicas, as constantes mudanças de partes de casa em Lisboa não ajudavam em nada a situação. Os afectos estão ausentes, apenas palavras soltas acontecem entre mãe e filho. Também o silêncio. «O silêncio por definição é o que não se ouve». Saramago reconhece nas suas Pequenas Memórias certa secura que a sua mãe lhe dispensaria durante toda a infância. Também numa conversa com Juan Arias:

«Tive um irmão, dois anos mais velho do que eu, que morreu muito cedo, e recordo que a minha mãe, evidentemente de maneira inconsciente, me fez sofrer quando era pequeno, comparando-nos e elogiando o filho desaparecido. A vida fez dela uma mulher algo dura, austera. Lembro-me de que lhe pedia um beijo e que nuna me dava. Isso que é o normal na relação entre mãe e filho, sobretudo quando se é um miúdo pequeno, em que ela está sempre a fazer-nos festas e a dar-nos beijos, eu não o tive. Isso doía-me muito e, por fim, quando, perante a minha insistência, minha mãe me dava um beijo era de fugida. Gostava muito de mim, nunca duvidei, mas a expressão do seu amor comigo bloqueava-se-lhe.»

José Saramago numa entrevista à Folha de S. Paulo, 18 de Outubro de 1995;

«As minhas personagens verdadeiramente fortes, verdadeiramente sólidas são sempre figuras femininas. Não é porque eu tenha decidido, é porque sai-me assim. Não há nada de premeditado. Provavelmente isso resulta de que parte da humanidade em que eu ainda tenho esperança é a mulher. E estou à espera, já há demasiado tempo, que a mulher se decida a tomar no mundo o papel que não seja o de uma mera competidora do homem. Se é só para ocupar o lugar que o homem tem desempenhado ao longo da História, não vale a pena. O que a humanidade necessita é qualquer coisa de novo, que eu não sei definir, mas ainda tenho a convicção que pode vir da mulher.»

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