Chega Março e começo a observar o amadurecer das nêsperas na árvore que o meu vizinho Orlando tem no seu quintal.
Olho
também, quando começam mesmo a amarelecer, as paragens que a passarada vai
fazendo.
Gosto de
traseiras dos prédios de Lisboa.
Cristina
Carvalho, filha de Rómulo de Carvalho/António Gedeão, lembra o pai, nas noites
de Verão, após o jantar, debruçar-se no parapeito da janela, olhando as
traseiras: «cálida e cheirosa a noite. O
céu azul escuro repleto de estrelas.»
«No parapeito da janela, as eternas
violetas que regava dia sim, dia não, esperavam pela sua discreta atenção.
Ali ficava, em silêncio, a escrever. A
telefonia, sempre no mesmo posto, vertia baixinho.
Às oito em ponto jantava-se.
Conversava-se, então, e muito! E era bom quando de verão se abria a janela da
casa de jantar que dava para os quintais das traseiras e ouvíamos, como numa
reza prévia, como uma oração, as conversas das vizinhas, de janela para janela,
sempre e sempre àquela hora.
A comer e a conversar, ali estávamos à mesa mais ou menos uma hora. Era como a presença do verão – a época do ano que Rómulo mais gostava – por ali, pendurado das janelas das traseiras, mais ou menos pouco tempo.«
O
prédio onde nasci, cresci, tinha traseiras e essas traseiras tinham quintais
com árvores, papoilas, malmequeres, pássaros, joaninhas e gafanhotos, do
prédio, onde vive há cinquenta anos, também se vêem traseiras e quintais. E é
desse prédio que olha a nespereira do vizinho Orlando. O problema com as
nêsperas reside no facto de
terem de ser apanhadas um pouco antes de estarem no ponto, lindas, apetecíveis.
Se assim não for os pássaros comem-nas. Sim, porque um pássaro, com aquele
olho-de-lente é um finório, sabe o que é bom.
Os tempos
vão calmos e claros de brilho primaveril e se falamos em nêsperas, em
magnórios, como se diz no norte, temos sempre que desembocar no Rifão Quotidiano do Mário-Henrique
Leiria
«Uma nêspera
estava na cama
Deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece»
Lembra-se de uma dessas varanda» num prédio na Graça, por cima da Leitaria Mimosa.
O prédio foi reconstruído, já não tem varandas e a Leitaria Mimosa deixou de existir
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