terça-feira, 7 de dezembro de 2010

SARAMAGUEANDO



Neste dia, há 12 anos, e antes da entrega do Nobel, que se verificará no dia 10 de Dezembro de 1998, 

José Saramago proferia, no Grande Auditório da Konserthuset, perante 1800 pessoas, o “Discurso do Laureado, um belíssimo discurso, memorável discurso, um discurso límpido, em que invoca os avós Jerónimo e Josefa, a gente mais sábia do mundo que no inverno dormiam com os porcos para que não morressem, um avô que, quando pressentiu que a morte o vinha buscar, abraçou, uma a uma, as árvores do quintal, uma avó, que no cair de uma noite de Verão, disse ao neto: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer".

Naqueles dias em que o mundo soube, que era português o Nobel da Literatura, o jornalista Carlos Magno, no “Diário de Notícias”,  ainda o Discurso de Estocolmo nem sequer estava pensado, escrevia:

“Gosto da escrita de José Saramago porque é uma escrita para ser ouvida. A língua portuguesa fica a descer-lhe não só este revigorante prémio como a preservação de um cantar muito antigo que vem da nossa mais profunda tradição oral. É por isso que desde já adianto. O melhor texto de Saramago vai ser o seu discurso na entrega solene do Prémio Nobel. Um discurso em português claro, límpido, brilhante, doce e perturbador como só Saramago sabe fazer.”

Este é o começo do discurso que, para além de estar publicado em livro pela Editorial Caminho, pode ser lido, na íntegra, aqui:

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável.”

Legenda: Discurso de José Saramago perente os membros da Academia Sueca, Estocolmo, 7 de Dezembro de 1988.
Imagem retirada do catálogo da exposição “José Saramago: A Consistênciua dos Sonhos”

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