Possivelmente, Marilyn Monroe fez mais esforços para ler o Ulisses de James Joyce do que muita gente que diz que o leu e nunca acabou, ou sequer começou.
Por mim falo e digo que nunca o acabei e poucos esforços tenho feito para que lhe conheça o meio quanto mais o fim.
Em 1999, o exemplar de Ulisses que pertenceu a Marilyn Monroe, foi vendido por 7100 euros num leilão da Christie's.
A sua biblioteca era constituída por perto de quinhentos livros.
O já citado Ulisses estava por lá, e tinha por companhia obras de Dostoievesky, Jack Kerouac, Yeats, Samuel Beckett, Tolstoi, Walt Whitman, Rainer Maria Rilke, Bernard Shaw, Ernest Hemingway, Tennessee Williams, D.H. Lawrence, F. Scott Fitzgerald, John Steinbeck.
Marilyn Monroe deixou um inventário que inclui fotografias, recortes de jornais, poemas, frases, cartas, notas várias.
Os papeis e fotografias datam de 1943, e vão até aos dias que antecederam a sua morte.
Parte de todo este material foi publicado em livro, no final do ano passado, nos Estados Unidos. Os editores chamaram-lhe Fragments: Poems, Intimate Notes, Letters.
Do mundo de lendas que sempre envolveram, e envolvem, Marilyn, conta-se que um dia, em conversa com um amigo, terá tirado do bolso, um pequeno diário de capa vermelha a que chamava o seu livro de segredos.
Nesse livrinho, entre muitas outras coisas, falava dos planos de Kennedy para matar Fidel de Castro, de testes atómicos, das relações de Frank Sinatra com a Máfia, do movimento dos negros pelos direitos de igualdade, conversas que Marilyn ouviu enquanto conviveu com os Kennedys.
Naturalmente este livro de segredos não consta de Fragments: Poems, Intimate Notes Letters.
Diz, quem já o leu, que Fragments, não é a essência da literatura, mas permite concluir que Marilyn não foi, exclusivamente, a loura burra que que a indústria de Hollywood construiu e impingiu à opinião pública de todo o mundo.
Um símbolo sexual torna-se um objecto. Eu detesto ser um objecto disse a actriz.
O escritor António Tabucchi (1943-2012), escreveu o prefácio para a edição francesa do livro, e observa:
No interior deste corpo vivia a alma de uma intelectual e poeta de que ninguém tinha um pingo de suspeita.
Nos filmes que Billy Wilder realizou com Marilyn, opinião minha, os melhores dos seus filmes, a actriz fez a cabeça em água a Wilder, mas este sabia o diamante que tinha entre mãos:
Penso que ela é a melhor actriz cómica ligeira que temos no cinema hoje em dia, e qualquer pessoa sabe que a comédia ligeira é o mais difícil dos estilos de representação.
Deus deu-lhe tudo.
Obviamente que Billy Wilder, sabia do que falava.
No diário das filmagens do Let’s Make Love , Marilyn confessava:
De que é que eu tenho medo? Porque é que tenho tanto medo? Porque penso que não sei representar? Sei que sei representar, mas tenho medo. Tenho medo e sei que não devo ter, e não quero ter. Mas tenho.
Em 1948, Tom Kelley fotografou-a nua sobre veludo vermelho, que daria lugar ao celebérrimo calendário das paredes de todas as garagens do mundo.
Quando muitos anos mais tarde, um jornalista perguntou-lhe se ela não se envergonhara da ousadia de ter posado para Tom Kelley, Marilyn respondeu:
Tinha fome!
E, sarcasticamente, não deixou de acrescentar:
Porquê? Não gosta do vermelho?
Sabe-se, ou pensa-se que se sabe, que todos morremos a cada dia que passa.
Mas os dias de Marilyn foram tecendo o suicídio organizado em que a sua morte se transformou.
O tal seu livro dos segredos, o livro de capa vermelha, constituía material demasiado perigoso para que, impavidamente, o clã kennedyano assistisse à possibilidade de se tornar público.
Tenho a certeza de que acabarei louca se continuar a viver neste pesadelo, terá dito a actriz naqueles seus tempos de depressão, que irão culminar na noite em que tomou todos os tubos de comprimidos que tinha e não tinha, tal como sugere Ruy Belo no poema que dedicou à sua morte.
Poderá perguntar-se:
Tomou?
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