Este anúncio foi publicado no “Diário Popular” de 2 de Setembro de 1969 e promovia o Algarve, hoje chamam-lhe Allgarve, mais concretamente Vilamoura, com oferta de “equipamento de recreio do mais alto nível com campo de golfe de 18 buracos, equitação, ténis, um lago artificial e pela primeira vez em Portugal um porto de recreio para 1000 barcos.”
Um Algarve que, antes anos, começara a ser destruído com a invasão de ingleses e alemães. Mário Ventura no romance, “O Despojo dos Insensatos” (1968), reporta o hediondo crime.
“Fazer fortuna a vender a sua terra a essa cambada toda que vem lá de fora… Era negócio que não me tentava. Qualquer dia não temos um único bocado nosso onde pousar os pés.”
“Oh doutor!, isso nem parece seu!, exclama o Silva Sequeira, cuja importância cresceu igualmente com a fartura turística. “Não me diga que deu agora em isolacionista. Que seria de nós se ninguém viesse a esta ponta da Europa ajudar-nos a viver? Ainda bem que assim é. Deixe-os vir, deixe-os vir, que isso có é bom para nós” (…) “Deixe-os lá! Trazem dinheiro, é o que importa! O senhor verá o que é este Algarve daqui por uns anos. Nem o reconhece!”
Silva Sequeira tinha razão: ninguém hoje reconhece o Algarve… mas pelos piores motivos!
Em Janeiro de 1963, na revista “Távola Redonda”, Sophia Mello Breyner Andresen escreveu um artigo que intitulou “Pelo negro da terra e pelo branco do muro” onde dava conta das suas preocupações com o que estava a acontecer no Algarve. Hoje, verificamos que o pessimismo de Sophia se transformou num enorme pesadelo.
“Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas.
Mas há também uma outra beleza que o homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham.
A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria.
(…)
Quando olhamos à nossa roda as aldeias, vilas e cidades de Portugal temos de constatar que quase tudo quanto se construiu nas últimas décadas é feio. Feio e - ai de nós! - para durar: Feias as obras públicas e feias as obras particulares. As excepções à regra de fealdade são raras.
Costuma dizer-se que a nossa pobreza é a origem dos nossos males. Mas o que caracteriza grande parte da nossa arquitectura desta época é o novo-riquismo. Um novo-riquismo exibicionista – quase sempre sem funcionalidade e sempre sem cultura e sem sensibilidade
(…)
Penso neste momento especialmente na terra do Algarve, com suas praias, suas grutas, seus promontórios, seus muros brancos, sua luz claríssima. É preciso não destruir estas coisas. É preciso que aquilo que vai ser construído não destrua aquilo que existe.
A arte é sempre a expressão duma relação do homem com o mundo que o rodeia. A arquitectura é especificamente a expressão duma relação justa com a paisagem e com o mundo social. Fora destas coordenadas só há má arquitectura.
Afirma-se que é necessário desenvolver turisticamente o Algarve. Para isso será preciso construir. Mas é necessário que aqueles que vão construir amem o espaço, a luz e o próximo. Existem todas as condições para que se possa criar no Algarve uma boa arquitectura: ali temos uma paisagem e uma luz que pedem “arquitectura”, ali encontramos um uso belo e tradicional do barro e da cal; ali temos uma arquitectura local lisa e pura como uma arquitectura moderna, uma arquitectura popular cujos temas o arquitecto poderá desenvolver duma forma mais técnica e mais culta: ali temos um clima que facilita a vida e propõe soluções de extrema simplicidade.
Ali poderemos ter os materiais, as inovações, a técnica e a cultura do nosso tempo. Ali poderão trabalhar os arquitectos competentes que existem no nosso país.
Mas é urgente evitar os seguintes perigos:
A incompetência
O saloísmo
As especulações com os terrenos
Os maus arquitectos
O falso tradicionalismo
A mania do luxo e da pompa
As obras de fachada
Acima de tudo é preciso evitar a falta de amor: De todas as artes a arquitectura é simultaneamente a mais abstracta e a mais ligada à vida. Aqueles que não amam nem o espaço, nem a sombra, nem a luz, nem o cimento, nem a pedra, nem a cal, nem o próximo, não poderão criar boa arquitectura.”
Nota do editor: as transcrições do texto de Sophia aqui reproduzidas, são retiradas de uma divulgação feita pelo “Público” em Agosto de 2004.
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