Nunca lhe escrevi
Não sei se se justifica, mas o que é certo é que nunca
fui capaz de o fazer e sempre achei escusado. Só no Porto tentei falar consigo
mas como, à última hora, decidiu sair do concerto directamente para o seu
avião, para ir dormir a Espanha, a minha carta, as minhas perguntas ficaram
debaixo da porta da sua suite.
Não ficaram, fui lá busca-las com a ajuda de um
recepcionista do hotel, conivente, entrega-las ao baterista da sua orquestra
que no bar do hotel se me dirigiu, reconhecendo-me da televisão portuguesa, do
jazz!
Prometeu-me que lhas entregaria, que lhe era fácil.
Em bateristas acredito sempre…
Sim, Porto, a cidade que deu nome ao vinho, há-o
branco ou não, seco ou não, pode beber-se muito, sempre em pequenas
quantidades, sempre straight, no chaser, como «o nosso amigo» Daniel’s dever
ser consumido.
A propósito, estive muitas vezes sentado no seu lugar
favorito, no Jilly’s Bar de Nova Iorque, a ver assim o mundo como o via dali
sentado. Claro que era uma etapa da peregrinação que gostava de cumprir, claro
que era.
(…)
Que época inesquecível deveria ter sido aquela quando
actuava com o seu gang favorito, Lawford, Dino, Sammy… Eram vocês que escreviam
as piadas?
Dino era genial.
Que divertido deve estar a ser agora o Inferno com
vocês de novo juntos!...
A pianista Marian McPartland, lembra-se dela?, ainda
por cá anda com 78, disse recentemente para a imprensa norte-americana que
muitos, muitos milhares de mulheres por este mundo fora tiveram casos de amor
consigo, sem mesmo você saber!...
É uma bonita afirmação que lhe não deve «resvalar na
couraça da sua indiferença»…
Acho que a mulher que melhor lhe ficou foi Ms. Novak a
quando de Pal Joey, o filme, apesar de Rita estar presente.
Aliás o próprio filme lhe assenta como uma luva, tal
como «High Society». È assim que o imaginava na vida real. Aquela cena
antológica com Bing Crosby, cantando e beberricando naquele cosy room!
Inesquecível! Big Bing tinha um swing discreto, um estilo grandiosos, não
tinha?
(…)
A peça que gravou e que acho ser uma definitiva,
perfeita obra-prima é «The One I Love Belongs To Somebody Else» para a sua
Reprise com um arranjo de Billy May, no LP ou CD «Sinatra Swings». Repetir
sempre de maneira diferente as medidas era prática sua, até numa pequena faix
de 3 minutos agora em «The One» ultrapassa tudo o que se julgaria possível,
substituindo palavras, acrescentando um pequeno it,
mudando pois sentidos, notável cantar «change it» a
seguir a «the world will never change»… A autêntica Enciclopédia de swing que
são aqueles escassos minutos de Voz com Música, que fácil que parece afinal
ser, que difícil apenas repetir ao fim de milhares de audições.
(…)
O Mundo sem si teria sido pior de ouvir e viver.
Parabéns pela sua entrada defeituosa, que insistiu em
deixar ficar, alegando que tudo se devera ao espanto pelo superior
comportamento sonoro da orquestra de Basie no primeiro Reprise que gravou com
ela.
(…)
Fui na véspera e vim no dia seguinte, certa vez a Nova
Iorque, assistir a um concerto onde cantou com Ella Fitzgerald e a orquestra de
Count Basie e, à socapa, gravei todod o concerto com um gravadorzeco ao colo.
Pura atitude de especialista em transe.
Não a guardo, a gravação, não sei onde a pus, perdi-a.
O espectáculo começou com a big band, depois entrou
ela, Ella, a seguir cantou você e o grand finale com todos!
Memorável.
Nos em Portugal conhecemo-lo mal como cantor. Temos,
os que têm, muitos discos seus, mas nada sabemos de como era o seu look nos
anos 30 e 40, nada dos programas de tv onde colaborou ou de que foi autor, nada
da época Shore, essa maravilhosa Dinah Shore, nada das suas actuações com o
famoso grupo de amigos, artistas, que tanto se divertiam ao divertir os outros.
A Portugal ia não vindo e já não veio em nenhum dos
seus esplendores, só no da glória.
Sempre gostei das suas amizades, com mafiosos em particular,
o conceito de gang unido, auto-ptotector, atrai-me, embora seja incapaz de o
aplicar.
Shame on me!
(…)
Talvez até para contrariar um tipo de reacciionarismo
encapotado, tanto eu gosto de «Strangers in the Night» e muito eu gosto de «My
Way», com o seu climax bem preparado e a sua verdade em forma provinciana, mas
verdade, para quem tem coragem de o reconhecer.
Admito que, para tal, seja precisa idade cronológica e
mental.
Um problema semelhante ao que se defronta com Roberto
Carlos, o cantor.
(…)
Não esquecerei o seu comportamento cívico quando e
quando não era preciso em relação à raça negra norte-americana, que é uma raça
definida, com cultura própria. Comportamento exemplar. Lembro a camaradagem com
Sammy Davis Jr., a
solidariedade com Joe Louis, a sua reacção quando
Sarah Vaughan foi vítima de racismo e como tal não convidada para uma festa em
Beverly Hills. Gostei da sua natural, provocadora coragem de ter organizado em
sua casa uma festa para Sarah e ter convidado quem convidou.
(…)
Todo o seu universo musical está nos primeiros discos
LP para a Capitol - «Swing Easy, «Swingin’ Lovers» e «Wee Small Hours».
Os próprios termos dos títulos são a temática de toda
a sua obra: swing, lovers e aquelas malvadas horas das madrugadas onde a
palavra de ordem você imortalizou: one for my Baby and one more for the road,
(…)
Quando soube que tinha morrido estava um dia
dramaticamente belo. No Gerês.
Julho 1998
José Duarte em
Cinco Minutos de Jazz
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