sábado, 12 de dezembro de 2015

PARA SINATRA


Nunca lhe escrevi

Não sei se se justifica, mas o que é certo é que nunca fui capaz de o fazer e sempre achei escusado. Só no Porto tentei falar consigo mas como, à última hora, decidiu sair do concerto directamente para o seu avião, para ir dormir a Espanha, a minha carta, as minhas perguntas ficaram debaixo da porta da sua suite.
Não ficaram, fui lá busca-las com a ajuda de um recepcionista do hotel, conivente, entrega-las ao baterista da sua orquestra que no bar do hotel se me dirigiu, reconhecendo-me da televisão portuguesa, do jazz!

Prometeu-me que lhas entregaria, que lhe era fácil.


Em bateristas acredito sempre…
Sim, Porto, a cidade que deu nome ao vinho, há-o branco ou não, seco ou não, pode beber-se muito, sempre em pequenas quantidades, sempre straight, no chaser, como «o nosso amigo» Daniel’s dever ser consumido.
A propósito, estive muitas vezes sentado no seu lugar favorito, no Jilly’s Bar de Nova Iorque, a ver assim o mundo como o via dali sentado. Claro que era uma etapa da peregrinação que gostava de cumprir, claro que era.
(…)
Que época inesquecível deveria ter sido aquela quando actuava com o seu gang favorito, Lawford, Dino, Sammy… Eram vocês que escreviam as piadas?
Dino era genial.


Que divertido deve estar a ser agora o Inferno com vocês de novo juntos!...
A pianista Marian McPartland, lembra-se dela?, ainda por cá anda com 78, disse recentemente para a imprensa norte-americana que muitos, muitos milhares de mulheres por este mundo fora tiveram casos de amor consigo, sem mesmo você saber!...
É uma bonita afirmação que lhe não deve «resvalar na couraça da sua indiferença»…
Acho que a mulher que melhor lhe ficou foi Ms. Novak a quando de Pal Joey, o filme, apesar de Rita estar presente. 


Aliás o próprio filme lhe assenta como uma luva, tal como «High Society». È assim que o imaginava na vida real. Aquela cena antológica com Bing Crosby, cantando e beberricando naquele cosy room! Inesquecível! Big Bing tinha um swing discreto, um estilo grandiosos, não tinha?
(…)
A peça que gravou e que acho ser uma definitiva, perfeita obra-prima é «The One I Love Belongs To Somebody Else» para a sua Reprise com um arranjo de Billy May, no LP ou CD «Sinatra Swings». Repetir sempre de maneira diferente as medidas era prática sua, até numa pequena faix de 3 minutos agora em «The One» ultrapassa tudo o que se julgaria possível, substituindo palavras, acrescentando um pequeno it,


mudando pois sentidos, notável cantar «change it» a seguir a «the world will never change»… A autêntica Enciclopédia de swing que são aqueles escassos minutos de Voz com Música, que fácil que parece afinal ser, que difícil apenas repetir ao fim de milhares de audições.
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O Mundo sem si teria sido pior de ouvir e viver.
Parabéns pela sua entrada defeituosa, que insistiu em deixar ficar, alegando que tudo se devera ao espanto pelo superior comportamento sonoro da orquestra de Basie no primeiro Reprise que gravou com ela.
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Fui na véspera e vim no dia seguinte, certa vez a Nova Iorque, assistir a um concerto onde cantou com Ella Fitzgerald e a orquestra de Count Basie e, à socapa, gravei todod o concerto com um gravadorzeco ao colo.
Pura atitude de especialista em transe.
Não a guardo, a gravação, não sei onde a pus, perdi-a.
O espectáculo começou com a big band, depois entrou ela, Ella, a seguir cantou você e o grand finale com todos!
Memorável.


Nos em Portugal conhecemo-lo mal como cantor. Temos, os que têm, muitos discos seus, mas nada sabemos de como era o seu look nos anos 30 e 40, nada dos programas de tv onde colaborou ou de que foi autor, nada da época Shore, essa maravilhosa Dinah Shore, nada das suas actuações com o famoso grupo de amigos, artistas, que tanto se divertiam ao divertir os outros.
A Portugal ia não vindo e já não veio em nenhum dos seus esplendores, só no da glória.
Sempre gostei das suas amizades, com mafiosos em particular, o conceito de gang unido, auto-ptotector, atrai-me, embora seja incapaz de o aplicar.
Shame on me!
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Talvez até para contrariar um tipo de reacciionarismo encapotado, tanto eu gosto de «Strangers in the Night» e muito eu gosto de «My Way», com o seu climax bem preparado e a sua verdade em forma provinciana, mas verdade, para quem tem coragem de o reconhecer.
Admito que, para tal, seja precisa idade cronológica e mental.
Um problema semelhante ao que se defronta com Roberto Carlos, o cantor.
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Não esquecerei o seu comportamento cívico quando e quando não era preciso em relação à raça negra norte-americana, que é uma raça definida, com cultura própria. Comportamento exemplar. Lembro a camaradagem com Sammy Davis Jr., a 


solidariedade com Joe Louis, a sua reacção quando Sarah Vaughan foi vítima de racismo e como tal não convidada para uma festa em Beverly Hills. Gostei da sua natural, provocadora coragem de ter organizado em sua casa uma festa para Sarah e ter convidado quem convidou.
(…)
Todo o seu universo musical está nos primeiros discos LP para a Capitol - «Swing Easy, «Swingin’ Lovers» e «Wee Small Hours».
Os próprios termos dos títulos são a temática de toda a sua obra: swing, lovers e aquelas malvadas horas das madrugadas onde a palavra de ordem você imortalizou: one for my Baby and one more for the road,
(…)
Quando soube que tinha morrido estava um dia
dramaticamente belo. No Gerês.

Julho 1998

José Duarte em Cinco Minutos de Jazz 

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