passa da meia- noite e continuo aqui sozinho, de
televisão desligada, de telefone desligado, pus os chinelos, o pijama, o roupão
de lã, a manta nos joelhos que está um frio desgraçado, continuo aqui a
imaginar a cunhada lá em cima, o perfume dela, o cabelo loiro, os colares, as
jóias, aquele traço de lápis fora do lugar, sem coragem para subir um lance de
degraus, ir ter com eles, a verdade é que não gosto do Natal, detesto Natal,
detesto as ruas iluminadas, as lâmpadas nas árvores, a agitação nas lojas, os
embrulhos, os laçarotes, as fitas, o espumante, detesto bolo-rei, sobretudo
detesto bolo-rei, bolo-rei comido sozinho, numa sala sem pinheiro nem qualquer
mão por baixo para aparar as migalhas, para o ano se o engenheiro voltar a
convidar-me digo-lhe que sim, pode ser que a cunhada continue viúva, pode ser
que ainda vá às compras de casaco de peles, pode ser que eu, pode ser que ela,
pode ser que continuemos os dois vivos, trezentos e sessenta e cinco dias, que
diabo, não é assim tanto tempo.
António Lobo
Antunes em Livro de Crónicas lº Volume
Nota do editor:
mais Natal do Coronel aqui.
Legenda: não foi
possível identificar o autor/origem da imagem.
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