terça-feira, 22 de dezembro de 2015

AINDA O NATAL DO CORONEL


 passa da meia- noite e continuo aqui sozinho, de televisão desligada, de telefone desligado, pus os chinelos, o pijama, o roupão de lã, a manta nos joelhos que está um frio desgraçado, continuo aqui a imaginar a cunhada lá em cima, o perfume dela, o cabelo loiro, os colares, as jóias, aquele traço de lápis fora do lugar, sem coragem para subir um lance de degraus, ir ter com eles, a verdade é que não gosto do Natal, detesto Natal, detesto as ruas iluminadas, as lâmpadas nas árvores, a agitação nas lojas, os embrulhos, os laçarotes, as fitas, o espumante, detesto bolo-rei, sobretudo detesto bolo-rei, bolo-rei comido sozinho, numa sala sem pinheiro nem qualquer mão por baixo para aparar as migalhas, para o ano se o engenheiro voltar a convidar-me digo-lhe que sim, pode ser que a cunhada continue viúva, pode ser que ainda vá às compras de casaco de peles, pode ser que eu, pode ser que ela, pode ser que continuemos os dois vivos, trezentos e sessenta e cinco dias, que diabo, não é assim tanto tempo.

António Lobo Antunes em Livro de Crónicas lº Volume

Nota do editor: mais Natal do Coronel aqui.


Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da imagem.

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