quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

QUOTIDIANOS


Como me enternece o Natal. E como o detesto com rancor. E isto apenas pela invenção infernal de se darem prendas. Porque é esse um acto que nos compromete não apenas as algibeiras mas ainda e sobretudo a capacidade de escolher de acordo com o prendado, os seus gostos, as suas necessidades, as suas possibilidades de surpresa. Porque tudo isto tem de ser mobilizado. E não só com uma pessoa mas com uma chusma delas. Há que haver pois para cada uma delas um concerto de várias soluções para o múltiplo problema. E que essas soluções exprimam bem o nosso bom gosto, gentileza, largueza, exclusiva atenção, como se a nossa vida fosse toda conduzida para este acto social. Quase se não tem gosto na prenda que nos dão pela chatice incomensurável daquela que temos de dar. Já se proíbe às vezes a gorjeta. Ninguém teve ainda a ideia humanitária de proibir, como uma vergonha, o detestável, abjecto chatíssimo costume de nos prendarmos uns aos outros. Assim o Natal poderia regressar à pureza que é a sua. E estaríamos mais atentos aos cânticos angelicais.

Vergílio Ferreira em Conta-Corrente IV volume

Sem comentários: