Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes
Fernando Pessoa em Livro do Desassossego
Ao fim de 61 anos o Restaurante Palmeira, na Rua do Crucifixo, fechou portas na antevéspera de Natal.
ou casas de pasto em que, sobre uma loja com feitio
de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma
feição pesada e caseira de restaurante de vila sem
comboios. Nessas sobrelojas, salvo ao domingo
pouco frequentadas, é frequente encontrarem-se
tipos curiosos, caras sem interesse, uma série de
apartes na vida
Ao fim de 61 anos o Restaurante Palmeira, na Rua do Crucifixo, fechou portas na antevéspera de Natal.
Não mais as
abrirá.
A câmara vendeu
o prédio em hasta pública e os novos donos deverão ter em perspectiva a
construção de um hotel.
É o que está a
dar na baixa lisboeta.
O Palmeira
era um dos últimos tascos de Lisboa onde se podia usufruir daquilo que se chama
comida caseira.
Um balcão, como
deve ser um balcão dum tasco, comprido, à direita de quem entra.
Comida a saber a
comida.
Uns fabulosos
pastéis de bacalhau, dobrada, cozido à portuguesa, feijoada à transmontava, mão
de vaca com grão, favas à portuguesa, ervilhas com ovos e, todos os dias, um
prato diferente de bacalhau.
Sabe-se que há,
pelo menos, cem maneiras de cozinhar bacalhau.
No Verão, os caracóis.
E sempre o grito
do Helder, citando Luiz Pacheco: caracóis, dizem, faz tesão.
A minha memória
do Palmeira é mais de antes do 25 de Abril.
Ali aportava,
mais o Helder Pinho, o Armindo, o Zé Ferraz, mais uns quantos, para o petisco e
para elaborar planos para o derrube da ditadura.
Planos sem-fim.
Apenas
romantismo e cavaqueira.
Para derrubar a
ditadura, outros tiveram que meter mãos à obra.
Mas, naquelas
mesas, ficaram muitas memórias, camaradagem, sonhos.
Jorge Sampaio,
enquanto presidente da Camara, amiúde almoçava no Palmeira e a clientela
metia estudantes das Belas Artes, magistrados do Tribunal da Boa Hora,
trabalhadores de diversas profissões, ricos e pobres, mas tudo gente de bom
gosto, que sabem o que é comer e beber de uma maneira que cada vez acontece
menos em Lisboa.
E não só!
Passei por lá no
findar do dia de encerramento.
Cheio que nem um
ovo, à porta, em trabalhos de preparo, uma camara de reportagem de uma qualquer
televisão.
Entrei só para
fazer os bonecos que ilustram o texto.
Não me apeteceu
comer, nem beber.
Odeio
despedidas.
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