O Mundo Desabitado
José Gomes
Ferreira
Desenhos de
Júlio Pomar
Estúdios Cor,
Lisboa, Natal de 1966
E assim, nestes exercícios de simular vida, chegou o
tão ansiado 24 de Dezembro (no fundo talvez para mim indesejada). Nevava
geladamente, acoçando os retardatários que saíam pressurosos das lojas de mimos
e brinquedos - últimas peças da fabulosa máquina que ia pôr-se em marcha para
triturara todos os sentimentos, há séculos considerados indignos desses dias
solenes.
Pelo rodar das seis horas, de fato novo e gravata pomposa,
encaminhei-me açodado para a Pensão de Froken Betten onde, no àtriozinho formado
no patamar por um guarda-vento de vidro fosco, procedi, com vagar de rito, à
cerimónia de extrair as galochas dos sapatos e pendurara o sobretudo. Mas mal
assomei à porta da sala, um desencanto tenebrosos sufocou-me de luto e
desilusão. Liv não estava. Nem a maioria dos hóspedes. Apenas o engenheiro
Nielsen, curvo, magricelas e canhestro, Froken Betten, com a sua gordura clara
e olhos de azul nítido, Sigrid, criada velha com o esqueleto marcado na pele,
uma moça de 16 anos a soltar gargalhadas tontas e algumas crianças com brilho
de ouro nos cabelos-
-Glaedlig Jul! Feliz Natal! – gritaram em chusma.
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