domingo, 20 de dezembro de 2015

OLHAR AS CAPAS


O Mundo Desabitado

José Gomes Ferreira
Desenhos de Júlio Pomar
Estúdios Cor, Lisboa, Natal de 1966

E assim, nestes exercícios de simular vida, chegou o tão ansiado 24 de Dezembro (no fundo talvez para mim indesejada). Nevava geladamente, acoçando os retardatários que saíam pressurosos das lojas de mimos e brinquedos - últimas peças da fabulosa máquina que ia pôr-se em marcha para triturara todos os sentimentos, há séculos considerados indignos desses dias solenes.
Pelo rodar das seis horas, de fato novo e gravata pomposa, encaminhei-me açodado para a Pensão de Froken Betten onde, no àtriozinho formado no patamar por um guarda-vento de vidro fosco, procedi, com vagar de rito, à cerimónia de extrair as galochas dos sapatos e pendurara o sobretudo. Mas mal assomei à porta da sala, um desencanto tenebrosos sufocou-me de luto e desilusão. Liv não estava. Nem a maioria dos hóspedes. Apenas o engenheiro Nielsen, curvo, magricelas e canhestro, Froken Betten, com a sua gordura clara e olhos de azul nítido, Sigrid, criada velha com o esqueleto marcado na pele, uma moça de 16 anos a soltar gargalhadas tontas e algumas crianças com brilho de ouro nos cabelos-
-Glaedlig Jul! Feliz Natal! – gritaram em chusma.

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