Diário de Viagens
Claude Roy
Tradução:
Rui de Moura
Capa:
António Domingues
Colecção O
Homem no Mundo nº 3
Prelo
Editora, Lisboa, Outubro de 1962
Poderia ter citado à pequena Wu-Shue o
diálogo entre Delécluze e Stendhal. Delécluze, por espírito, perguntava, ao ver
a cúpula de Saint-Pierre: «Para que serve isto?» Beyle respondeu-lhe: «Para
fazer bater o coração quando se observa de longe.» Podia também ter-lhe contado
a história desse pintor chinês dos tempos antigos, que salteadores amarraram e
deixaram abandonado num templo deserto. Com a ponta do pé começou a desenhar
ratinhos no solo, tão bem desenhados, tão autênticos, que se puseram a roer-lhe
os laços, libertando-o. As velhas histórias da arte chinesa estão cheias de
borboletas que esvoaçam mal são pintadas na seda, dragões que tomam vida mal o
pintor larga os pincéis, pintores que desenham numa parede um cavalo e uma
paisagem, montam no cavalo e desaparecem por detrás da colina que pintaram. Mas
uma das que mais gosto é a dos ratos desenhados na terra que libertaram o seu
criador (não só o seu criador, com certeza.) Há várias maneiras, em arte, de
«servir o povo», de o desenvencilhar dos seus laços. Mas simplifiquei as coisas
e respondi à pequena Wu-Shue: «Sim, a pintura do teu irmão serve o povo.» Creio
que tinha razão.
Sem comentários:
Enviar um comentário