quarta-feira, 11 de maio de 2016

OLHAR AS CAPAS


Diário de Viagens

Claude Roy
Tradução: Rui de Moura
Capa: António Domingues
Colecção O Homem no Mundo nº 3
Prelo Editora, Lisboa, Outubro de 1962

Poderia ter citado à pequena Wu-Shue o diálogo entre Delécluze e Stendhal. Delécluze, por espírito, perguntava, ao ver a cúpula de Saint-Pierre: «Para que serve isto?» Beyle respondeu-lhe: «Para fazer bater o coração quando se observa de longe.» Podia também ter-lhe contado a história desse pintor chinês dos tempos antigos, que salteadores amarraram e deixaram abandonado num templo deserto. Com a ponta do pé começou a desenhar ratinhos no solo, tão bem desenhados, tão autênticos, que se puseram a roer-lhe os laços, libertando-o. As velhas histórias da arte chinesa estão cheias de borboletas que esvoaçam mal são pintadas na seda, dragões que tomam vida mal o pintor larga os pincéis, pintores que desenham numa parede um cavalo e uma paisagem, montam no cavalo e desaparecem por detrás da colina que pintaram. Mas uma das que mais gosto é a dos ratos desenhados na terra que libertaram o seu criador (não só o seu criador, com certeza.) Há várias maneiras, em arte, de «servir o povo», de o desenvencilhar dos seus laços. Mas simplifiquei as coisas e respondi à pequena Wu-Shue: «Sim, a pintura do teu irmão serve o povo.» Creio que tinha razão.

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