O estabelecimento, de abandonada montra de
garrafas e porta e férrea de correr com gancho, acabrunha-se na esquina do
cruzamento da Rua da Senhora da Glória com a Rua das Beatas. Dentro apresenta
demasiados vidros e alumínios para tasca e demasiado vasilhame de pau encardido
para leitaria. Progride de taberna (serradura no chão) para o modernaço
(máquina de café), ou regride ao inverso. Carrega-se ali nos bagaços e nos
copos de três, que podem ser animados pelo furor melódico da enorme
caixa-de-música, que faz lembrar a do filme O Gigante, coberta de luminárias
marcianas, a piscar coloridos. Uma moeda, dez tostões, os Beatles, Alfredo
Marceneiro, Os Doors, Os Conchas (tchiribari-papa, tchiribari-papa…) ou o miúdo
da Bica. Vale a pena escorropichar a moeda só para observar o sortilégio dos
maquinismos. O disco a deslizar, a escorregar no prato, o braço do gira-discos
a exibir-se ao alto, em sacudidelas medidas, antes de aplicar-se convictamente
nas estrias para despiralar os ritmos. Tecnologia dos anos cinquenta que eu
imaginei manejada com desembaraço, desencravada a poder de joelhómetro, pelos
melómanos de esquina.
Mário de
Carvalho em Apuros de Um Pessimista emFuga
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