O Deserto Habitado
Júlio
Conrado
Capa:
Dorindo de Carvalho
Prelo
Editora, Lisboa, 1974
Há tempos, o professor Olívio perguntou-me:
- Que esperas vir a ser quando fores
crescido?
- Revisor de comboios – respondi.
O professor Olívio não foi capaz de esconder
a sua surpresa:
- E por quê, não me dirás?
- Para me fartar de andar de comboio. Não é
maravilhosos viajar durante o dia inteiro?
Se calhar respondi assim porque só vou à
capital uma ou duas vezes por ano. Esplêndida aventura, a de me deslocar no
comboio eléctrico tão veloz, tão limpinho, tão diferente do correio ronceiro e carvoento da minha terra. Que
sensação estupenda, quando à saída de Caxias, deslizo vertiginosamente ao lado
do Tejo e quase lhe toco as águas. O comboio transforma-se num navio que corre,
corre, corre, isto é, navega,
serpenteia aqui, serpenteia acolá, rechaça o ímpeto das vagas que nos dias de
temporal se atiram, à falsa fé, contra a muralha e depois contra ele. Admiro a
força das ondas mas comparo-as um pouco à brutalidade do Artur. É por isso que
nesses dias esmago o nariz e a boca contra a vidraça da janela (visto conhecer
a grotesca feição que aparece ao lado de fora) para troçar delas ao Vê-las
bravas. Logo que chega à Cruz Quebrada o meu barco passa de novo a ser o meu comboio.
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