sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

CÉSAR DIXIT!


Antes de mais, devo confessar que não sou rico, embora reconheça que, no estilo imitativo, por vezes não envergonhe. Não vogando já na doce ilusão de uma sociedade sem classes, concordei em aceitar viver numa sociedade sem classe. Admito que em louvor da vida – nunca das artes & comércios – fiz um pacto pragmático e condescendente, mas porque de pacto se trata, não o quero quebrar.

Mal chego o quarto do hotel, recebo um telefonema de Madame W. Jantamos amanhã chez Omar, onde, anos atrás, sobre toalha de mesa posta e sem lençol de água à vista, me tornei oficiante de natação. A ofelização de Isolda apareceu-me mais tarde.
Se Deus, na Sua Infinita bondade, o tivesse querido, deveria ter ido ao cu daquela rapariga. Isso teria, estou em crer, mudado por inteiro o curso da minha vida. Agora é demasiado tarde. Já não há cu que me valha.
Será novo o dia? A que luz?
Coudefrou?

De repente, dou-me conta que é 1 da manhã. Apanhamos um táxi. Bordejamos o sena, profusamente iluminado, em direcção à Rive Droite. Travessia silenciosa, a nossa; quase constrangida: dissemos tanta coisa, dissemos nada. Apetece-me desaparecer, levar sumiço. O motorista acende a lanterna do interior e um clarão ilumina intensamente o rosto de Madame W. Será que sou eu que fabrico a realidades das coisas? Aqueles olhos que, de tão olhados, me olham… O motorista apaga a luz; talvez tivesse andado à procura de indicações topográficas, tão perdido de tudo como nós, àquela hora. Voltamos à penumbra, mas nada se apaga no rosto de Madame W., que irradia agora uma perpétua aurora. Boa-noite, aurora, novissima dies.

No avião para Lisboa, deito contas à vida. No fundo, penso que teria sido melhor para toda a gente, a começar por mim, se, em vez do cinema  me tivesse dedicado a ser um modesto escriba. É uma actividade em que ninguém me chateia e em que não cateio ninguém, salvo… (estava-me a esquecer dalguns temperamentos plumitivos que julgo aplacados com a idade). Condição: Liberdade incondicional e ao abrigo de qualquer pacto ou conivência social. Pequeno problema: Quem paga semelhante soberania?
O cinema? I would prefer not to do. Joãozinho: avoa, avoa, inda não estás em Lisboa.
Conclusão, aliás feliz: Preciso de tirar umas férias. A sério.
É preciso fazer qualquer coisa contra o medo.

Citações do Diário Parisiense em Uma Semana Noutra Cidade.

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