Há 18 anos
morreu Rómulo de Carvalho que, em outras horas, foi o poeta António Gedeão.
Um outro príncipe
da nossa cultura.
Na Feira do Livro de 2011 comprei as Memórias de Rómulo de Carvalho.
Memórias que para instrução e divertimento de seus tetranetos
escreveu certa pobre criatura que, entre milhares de milhões de outras, vagueou
por este mundo na última centúria do seguindo milénio da era de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Mais de 500
páginas lidas de um fôlego ao longo de três dias e que, para melhor apreensão e
prazer, tenho vindo a reler e já perdi a contagem dessas releituras.
Nunca votou nas
eleições do Estado Novo e nas de Abril votava em branco.
Um homem de
esquerda, um comunista sem partido.
Eu tenho sobre a história uma ideia que está longe de
ser a mais frequente. Penso que, quem faz a história, não é o governo de uma
nação. Sou eu, a vizinha do lado e o merceeiro que está estabelecido com loja
na esquina da rua. É o par de namorados que passa de lambreta ou o operário que
vai para a oficina com a malinha do almoço. É o poeta, é o pensador, é o
cientista, é tudo, toda a gente, a que sai e a que fica em casa, todos, todos,
excepto os que compõem o governo. Esses só têm uma atitude permanente, que é,
atónitos, solucionarem, ou verdadeiramente, ou falsamente, os problemas que lhe
são impostos.
A escassos 14
dias de morrer, Gedeão escreveu:
A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer
sempre preferi o morrer. Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha
falta. Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles que gostam de
mim, mas peço-lhes que me desculpem.
É preciso ter vocação para viver e é por isso que
alguns se suicidam, o que é digno de todo o res peito. Nunca pensei nisso e só
em consequência de um sofrimento excessivo o faria.
O mundo é repugnante e a vida não tem sentido.
As últimas
palavras destas Memórias (1.100 páginas manuscritas) estão datadas do
dia 5 de Fevereiro:
Chamo-me Rómulo e nasci no dia 24 de Novembro de 1906
com sete meses de gestação. Faleci em…
Adeus.
Natália Nunes,
sua mulher, escreveu a data da morte: 17 de Fevereiro de 1997.
Coube-me a mim, tua Natália, preencher os espaços que
deixaste em branco para escrever as datas da tua morte.
Não te digo adeus. A minha alma estará sempre contigo,
que foste o meu único e grande amor.
Depois da tua partida grandes infelicidades se
abateram sobre mim. Peço a Deus que te dê a paz eterna, pelo que trabalhaste,
sofreste e amaste, pela tua bondade e generosidade para com todos.
Peço também a Deus que, em chegando a hora da minha
partida, una a minha alma à tua eternidade e junto da sua Glória.
Até daqui a algum tempo, meu amor, meu amigo, meu
companheiro de tantos anos.
Tua Natália
17 de Junho de 1998
Sem comentários:
Enviar um comentário