segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

UMA GUITARRA COM GENTE DENTRO

  
Rui VieiraNery chamou-lhe Príncipe.

Um Príncipe de uma humildade arrepiante.

Em 11 de Outubro de 1967, entrevistado por José Carlos Vasconcelos para o Diário de Lisboa, dizia que não havia condições para ser profissional:

O profissionalismo de quem acompanha ou dá espectáculos não é o que eu idealizo, nem me interessa. O que eu desejava era poder especializar-me, estudar o instrumento, até com intuitos pedagógicos. Isto é: desenvolver um trabalho de investigação, que está por fazer, no campo da técnica, tentando integrar a guitarra em bases que a tornassem um instrumento capaz de permitir a qualquer compositor escrever para ele.



C. B. em A Capital de 3 de Abril de 1971:

Carlos Paredes não diz quem é, não fala de si. Não tem uma história decorada onde estão cuidadosamente assinalados cada êxito, cada digressão. Não tem álbum para colocar fotografias dos locais onde trabalhou, de quando colaborou no cinema, no teatro, acompanhou a Amália ou foi entrevistado para a Televisão. Com ele só é possível falar da guitarra portuguesa, mesmo que lhe façam vinte perguntas seguidas sobre a sua vida de artista. Vive as possibilidades, as limitações da guitarra. Fala dos seus êxitos, do seu nascimento, da sua morte, mas ele, Carlos Paredes, apaga-se perante a guitarra de que fala sempre e só.

Já depois do 25 de Abril António Duarte telefona-lhe a pedir uma entrevista para o JL.

Diz-lhe:

Mas acha que eu tenho categoria para ser entrevistado pelo Jornal de Letras?


Sentado a uma velha secretária de madeira, no arquivo de películas do Hospital de S. José, onde foi reintegrado depois do 25 de Abril, após ter sido demitido de funcionário público em consequência da prisão por pertencer ao Partido Comunista Português, acabou por dar a entrevista e disse:

Quero ser considerado um pequeno músico e se me conseguir realizar como pequeno músico, sentir-me-ei extremamente satisfeito.


Nasceu a 16 de Fevereiro de 1925, em Coimbra, mas quando morreu no dia 23 de Julho de 2004, já nos deixara, em Dezembro de 1993, acometido de mielopatia, um processo degenerativo na coluna vertebral que vai afectando o sistema nervoso central.

Num texto publicado no DNA, Catarina Carvalho escreveu:

Este é um texto desonesto. Fala da vida de um homem que perdeu a coisa que mais prazer lhe dava na vida: tocar guitarra. Vive em Campo de Ourique, preso pela doença à cama de um lar. Agora ele é só dos que o tratam, dos amigos íntimos, dele próprio. Apenas um homem. Não é nosso, não é dos jornais, não é do público. Do público é o Carlos Paredes. E o Carlos Paredes é um dedilhar fervente, rápido, genial. Por isso, em vez de lerem este texto, podem ouvir os «Verdes Anos», que é a verdade.

Legenda:

- fotografia de Eduardo Gageiro do CD Uma Guitarra Com Gente Dentro, Universal Music Portugal.
-  Título do Diário de Lisboa de 11 de Outubro de 1967.

-  Carlos Paredes fotografado pela PIDE em 1958, fotografia  da revista Vida de O Independente s/d

Sem comentários: