sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

SEGUNDA INFÃNCIA


Quando morrem, os poetas deixam os seus poemas.
Mas lamentamos sempre quando nos deixam.
Ficamos atarantados, perdidos.
Foi o que aconteceu com o Ruy Belo.
Faria hoje 82 anos e deixou-nos tão cedo, naquele Agosto de 1978, tinha apenas 45 anos e tanto, tanto para nos dar.

À tua palavra me acolho lá onde
o dia começa e o corpo nos renasce.
Regresso, recém-nascido ao teu regaço,
minha mais funda infância, meu paul
Voltam de novo as folhas para as árvores
e nunca as lágrimas deixaram os olhos.
Nem houve céus forrados sobre as horas,
nem míseras ideias de cotim
despovoaram alegres tardes de pássaros.
O sol continua a ser o único
acontecimento importante da rua.
Eu passo mas não peço às árvores
coração para além dos frutos.
Tu és ainda o maior dos mares
e embrulho-me na voz com que desdobras
o inumerável número dos dias.


Legenda: Ruy Belo com 15 anos, fotografia tirada de Ruy Belo, Coisas de Silêncio de Duarte Belo e Rute Figueiredo, Assírio & Alvim, Lisboa, Junho de 2000.

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