segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


A miséria ensina até a tocar violino.

Provérbio checo  

OLHAR AS CAPAS


Crítica. I

João Gaspar Simões

Livraria Latina Editora, Porto, 1942

Vou falar de crítica: dizer não o que eu entendo por crítica, mas o que alguns autores portugueses e franceses entendem por essa actividade do espírito, ainda não incipiente em Portugal. Não terei ocasião de falar de mim mesmo: inútil, portanto, esperarem ver-me lutar pelos meus pontos de vista, pelas minha possíveis teses. Deixo a outros o cuidado de falarem por mim. 

NOTÍCIAS DO CIRCO

«A IL avança com Mariana Leitão, o PCP pode vir a escolher Paulo Raimundo ou outro quadro do partido e é provável que surjam candidatos independentes à esquerda. Se há coisa que Gouveia e Melo mostra é que os partidos já não condicionam o que condicionavam. E isso também vale para democratas que recusam Ventura, mas não têm vontade de ter, num tempo tão complexo, um militar imprevisível como Presidente da República. O cenário é tão pouco entusiasmante e tão fragmentado, que tudo ainda está em aberto para muitas surpresas.

Para o mal ou para o bem, a conversa já não acaba quando os partidos falam. Pode não ser por culpa das suas lideranças, que trabalham com o material que têm. Mas precisavam de escolhas muito mais fortes para não correrem o risco de tudo lhes sair tudo furado.»

Daniel Oliveira no Expresso 

AS GAZETAS

São muros de papel onde batemos

como insectos doidos

num campo já ceifado.

E vemos nelas os padres

correndo do interior

quase sempre após a sesta

(ainda que se esteja no Inverno)

a folhear Camilo  e a cantar vocábulos

colocando-os com baba às páginas da missa.

 

Sentados numa sala onde cheira a milho

envoltos em samarras onde passeia a traça

os velhos presidentes camarários

fustigam com sonetos e ruminam

seus futuros artigos de fundo.

 

Repórteres de domingos e feriados

os bruxos da província

lastimam o país lêem-lhe a sina

com o pingo no nariz fazem batota

como quem joga o loto

cordeiros nédios dum rebanho honrado.

Armando Silva Carvalho de Lírica Consumível em O Que Foi Passado a Limpo

domingo, 2 de fevereiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


 O mundo é um sonho mau.

Sylvia Plath

HÁ QUEM DE TODO NÃO LEIA

«As relações do homem com o livro vão, desde a indiferença, passando pelo amor e podendo chegar até ao ódio. Por mais estranho que pareça, há pessoas para quem o livro é, de todo, indiferente: há lares onde não se vê um único livro. Sim, há quem de todo não leia.»

Eugénio Lisboa 

CONVERSANDO

Luís Montenegro, e seus ministros, dizem os comentadores da nossa praça, governa, por «percepções».

O Dicionário do Morais, presente, há longos anos na Biblioteca da Casa (ainda terei de contar como o meu pai, a exemplo de outras gentes, adquiriu o Dicionário…) na entrada de percepções regista: percepção externa, interna, natural, primária. No fundo dos fundos, diz que é «a faculdade de perceber pelos sentidos» e quanto a «percepcionar» apresenta uma frase se António Sérgio tirada do 3º volume dos Ensaios: «Para percepcionarmos uma cousa qualquer, cumpre que tenhamos de maneira prévia o esquema de um todo onde ela se integra.»

Conclui o homem simples, da rua,  que Luís Montenegro, e seus ministros, apenas governa, nunca por percepções, mas por incompetências e irresponsabilidade várias.

NOTÍCIAS DO CIRCO

As televisões estão cheias de comentadores que sabem tudo, mas mesmo tudo.

Marcelo Rebelo Sousa deverá marcar a eleição presidencial para o dia 25 de Janeiro de 2026, no entanto, a qualquer hora do dia os comentadores televisivos dedicam-se a falar da eleição presidencial.

Assistimos a que todos os dias se anunciam candidaturas, que de repente deixam de o ser, e chegou-se ao ponto de já se saber quem será o novo presidente: Gouveia e Melo que foi almirante e teve uma intervenção com as vacinas durante a pandemia.

Entretanto João Soares declarou o apoio a uma eventual candidatura presidencial de António José Seguro, que considera estar a ser alvo de "uma campanha de 'bullying' político" dentro do Partido Socialista, Ana Gomes diz que António Vitorino  tem “um passado de advogado lobista” e não quer que o Partido Socialista o apoie: «Eu não sou a favor do centrão dos interesses no meu partido, onde quer que seja no poder, e em particular em Belém. Obviamente tem que ser gente séria, gente credível.»

 Sabe-se também que Luís Marques Mendes vai mesmo candidatar-se às eleições presidenciais de 2026 e na próxima quinta-feira em Fafe, sua terra natal, fará o anúncio, ao mesmo tempo que hoje deixará de dar catequese no telejornal da SIC e que, segundo o inenarrável secretário-geral do PSD, Hugo Soares,  tem «todas as condições para ser um extraordinário Presidente da República».

Assim vamos nós, enquanto o custo de vida vai tomando o freio nos dentes.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

POSTASIS SEM SELO


A profecia é um género muito difícil, sobretudo quando aplicado ao futuro.

Mark Twain

OLHAR AS CAPAS


 A Ceia dos Cardeais

Júlio Dantas

Livraria Clássica Editora, Lisboa, Julho de 1962

Cardeal Gonzaga, como quem acorda, os olhos cheios de brilho, a expressão transfigurada

Em como é diferente o amor em Portugal!

Nem a frase sutil, nem o duelo sangrento…

É o amor coração, é o amor sofrimento.

Uma lágrima…Um beijo…Uns sinos a tocar..

Um parzinho que ajoelha e que se vai casar.

Tão simples tudo! Amor, que de rosas se inflora:

Em sendo triste canta, em sendo alegre chora!

O amor simplicidade, o amor delicadeza…

Ai, como sabe amar, a gente portuguesa!

Tecer de sol um beijo, e, desde tenra idade,

Ir nesse beijo unindo o amor com a amizade,

Numa ternura casta e numa estima sã,

Sem saber distinguir entre a noiva e a irmã…

Fazer vibrar o amor em cordas misteriosas,

Como se em comunhão se entendessem as rosas,

Como se todo o amor fosse um amor sòmente…

 Ai, como é diferente! Ai, como é diferente!

VELHOS RECORTES

O tempo é Maio de 2002.

Terei copiado este recorte.

Lamentavelmente, não tenho indicação de autor, jornal ou revista.

«Em Portugal abundam os maus gestores, os péssimos empresários.

A culpa nunca é deles.

As empresas portuguesas são geridas por profissionais desorganizados, incultos individualistas, ineficientes, formais, autoritários pouco criativos, incapazes de autocritica e que não se preocupam com as necessidades dos clientes.

Trabalhar de uma forma não planeada sem estratégia de médio e longo prazo bem definida

Permanecem no local de trabalho durante longas horas apenas para que essa presença seja notada

Criatividade e a originalidade não são qualidades que abundem, deixam tudo para o último instante, entram no capítulo do desenrascanço

Os próprios gestores definem quanto ganham, preocupam-se com carros topo de gama, o último grito da indústria automóvel. Números de Outubro de 1999 dizem que se vendiam em média, por mês, oito automóveis de preços superiores a 30.000 contos.

Os gestores portuguese receberam um atestado de incompetência indecoros

Chris Angryris, da Universiades de Harvard, referiu que “a maior fraqueza de uma boa parte dos gestores e liders é passarem demasiado tempo a fazer e tempo insuficiente a pensar no que estão a fazer.”

Alguém perguntou ao patrão por que mantinha Jim ao seu serviço quando era sabido que ele era um incompetente. “Lembra-te, respondeu o patrão, que “tens de ter sempre alguém na equipa a quem pôr as culpas. É essa a função do JIM”.

São autocratas e não gostam de trabalhar, não planeiam o seu trabalho, têm falta de visão estratégica e vivem obcecados por títulos académicos

Avessos  a inovações e riscos

Ignorantes, mal informados, sem a mínima formação cultural.

As empresas não são organizadas nem eficientes

Salários significativamente acima da média europeia

Os estrangeiros classificam-nos como autocratas, desorganizados, com falta de visão estratégica, demasiado formais e obcecados por títulos académicos.

Há muito boa gente a trabalhar para uma quantidade de idiotas, analfabetos, a quem o dinheiro, uma cunha permitiu chegar a um lugar de direcção.

A eficácia empresarial portuguesa está sempre em último lugar num qualquer ranking de países e regiões que pela Europa se faça.»

  

TRUMPALHADAS


O regresso às trevas.

Aquilo que se diz presidente dos Estados Unidos, continua as suas campanhas de ódio e loucuras infernais.

Mantém na agenda a ocupação da Gronelândia que é território dinamarquês.

José Pacheco Pereira pergunta, hoje, no Público:

«E, já agora, se os EUA invadirem a Gronelândia, aplica-se o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte?»

MÚSICA PELA MANHÃ


 
Marianne Faithfull deixou-nos. Restam as canções, as muitas e variadas histórias.

Tempo para ir buscar um velho vinil da Marianne, em que a primeira canção do lado 2 é «Ballad of Lucy Jordan», o sol da manhã a tocar, no seu quarto branco, na cidade suburbana branca, levemente os olhos de Lucy Jordan, uma canção que, não por acaso, acompanha as loucuras de Susan Sarandon e Geena Davis em «Thelma & Louise», filme de Ridley Scott.

E voltar a KeithRichards e as suas memórias com Marianne:

«Só depois disso chegaram os dois a Tânger, acompanhados da Marianne, que ia ter com o Mick a Marraquexe. O Brian estava tão combalido que a Anita e a Marianne, qual competentes enfermeiras, tiveram a brilhante ideia de lhe dar ácido no avião, para ver se ele arrebitava. Elas próprias acabavam de passar uma noite em branco e a ácido. Quando finalmente chegaram a Tânger, um incidente junto à loja do Ahmed instalou o pânico. O sari da Marianne (única peça de roupa que trazia vestida) ficou preso algures e desenrolou-se, deixando-a subitamente nua no casbá.»


sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


Os vícios tornam as canções mais reais.

Marianne Faithfully

OLHAR AS CAPAS


 

A Estratégia do Cinismo seguida de O Jantar do Comissário

Carlos Coutinho

Prefácio: Luís Francisco Rebello

Capa: José Araújo

Editorial Caminho, Lisboa, Maio de 1977

Descobri que um galão e uma bola-de-berlim nos podem dar a sensação de bem almoçados. O leite representa sempre uma ilusão de proteínas e vitaminas. O café funciona como estimulante. E a bola-de-berlim incha no estômago que é uma coisa espantosa. A gente come aquele carolo de farinha e açúcar e bebe o galão

bem quentinho. Dez minutos depois, parece que temos um tijolo no estômago. Sentimo-nos empanturrados, como depois dum grande banquete.

NOTÍCIAS DO CIRCO

O governo, pela voz de Paulo Rangel. ministro dos negócios estrangeiros, volta a recusar reconhecer o Estado da Palestina, «por falta de oportunidade» 

Que dizer???!!!


 DECCA RECORDS  - MCPS 820 482-2 - 1987


As Tears Go By – Come And Stay With Me – Scarborough Fair – Monday, Monday – Yesterday – The Last Thing On My Mind – This Little Bird – Something Better – In My Time Of Sorrow – Is This What I Get For Loving You? – Tomorrow’s Calling – Reason to Believe – Sister Morphine – Go Away From My World – Summer Nights


Incondicional que é de Marianne Faithfull, tentou encontrar o vinil mas saíu-lhe o CD.

Se bem que muito contrariado, não se fez rogado. Um best de Marianne, que tem canções de Jagger e Richards, Lennon e McCartney, Tom Paxton, Tim Hardin, fora os outros, é uma benção dos céus, seja lá o que isso for.

Depois olha-se a fotografia da capa e dá para concluir que o dia está ganho e lembrar outras histórias.

Keith Richards lamenta-se na sua «Life» que elas iam todas chorar no seu ombro quando descobriam que o Jagger andava a comer fora.

Que há-de um homem fazer?

Por uma noite, «quem foi ao mar perdeu o lugar», Keith perdeu-se a contar outras músicas a Marianne.

Eis senão quando os dois ouvem o carro de Mick Jagger chegar.

«Grande alvoroço, pego nos sapatos e salto janela fora para o jardim. Tinha-me esquecido das meias! Mas o Mick também não era gajo para se pôr à procura de meias. E assim ficámos com uma piada para sempre – ainda hoje, a Marianne me diz: «Ainda não consegui encontrar as tuas meias!»

MARIANNE FAITHFULL (1946-2025)


Morreu Marianne Faithfully.

PASSEI O RIO QUE TORNOU ATRÁS

Passei o rio que tornou atrás,

se acaso é certo o que Camões nos diz,

em cuja ponte um bando de aguazis

registam tudo quanto a gente traz.

 

Segue-se um largo. Em frente dele jaz

longa fileira de baiúcas vis.

Cigarro aceso, fumo no nariz,

é como a companhia ali se faz.

 

A cidade por dentro é fraca rês;

as moças põem mantilhas e andam sós,

têm boa cara, mas não têm bons pés.

 

Isto, coifas de prata e de retrós,

e a cada canto um sórdido marquês,

foi tudo quanto vi em Badajoz.

 

Nicolau Tolentino em Sátiras

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

VELHOS RECORTES


«Quando lhe falam de “Do Fundo do Coração diz: É verdade: comprei um estúdio. Sempre me senti confortável a perder dinheiro, vivi  muitas aventuras que gostei de ter vivido. De facto, nunca me imaginei como um realizador famoso: via-me mais como os autores de filmes que víamos na Améwrica, nos anos 60, porovenientes da Europa, põe exemplo do Japão, de Itália…

Transformou-se, para além do cinema, num dos mais prestigiados produtores vinícolas da Califórnia. No universo de Coppola, nada é exterior à família, tudo tem a ver com a família. Assim, por exemplo, um dos seus vinhos recebeu o nome da filha, a também cineasta Sofia Coppola (Lost in Translation): o Sofia Blanc de Blancs começou como "uma prenda de um pai para a sua filha". Mas há também o Sofia Rosé, ou seja, um "tributo ao espírito romântico e exuberante das mulheres de toda a parte." Estas palavras estão no site pessoal do cineasta, "Francis Ford Coppola presents" (ffcpresents.com), um primor de sobriedade informativa e elegância gráfica. É um site em que os temas dominantes têm a ver com a produção de vinhos e alimentos. É verdade: Coppola produz, por exemplo, uma gama de molhos com sabores genuinamente italianos (arrabbiata, pomodoro basilico, puttanesca, etc.), todos eles devidamente "provados e testados por Francis e sua mulher, Eleanor.»

Recorte do Diário de Notícias s/d

QUOTIDIANOS

Lido, hoje, no Diário de Notícias:

«Confrontos físicos entre Odair Moniz e os dois agentes da PSP, que incluíram agressões mútuas, com uso de bastões por parte dos polícias e de força física de Odair, são descritos exaustivamente no despacho do Ministério Público em que o agente que matou o cabo-verdiano é acusado de homicídio com dolo eventual (quando o autor não tem a intenção direta de causar a morte da vítima, mas assume o risco de produzir esse resultado ao realizar uma conduta perigosa).

Outro facto registado pelo Ministério Público é que Odair não empunhou nenhuma faca no confronto com o agente no momento que antecedeu ao disparo fatal, ao contrário do que foi assumido oficialmente pela PSP no comunicado enviado à imprensa no dia da morte.»

OLHAR AS CAPAS

Mar Morto

Jorge Amado

Colecção Livros de Bolso Europa-América nº 6

Publicações Europa- América, Abril de 1971

Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia. Os velhos marinheiros que remendam velas, os mestres de saveiros, os pretos tatuados, os malandros, sabem essas histórias e essas canções. Eu as ouvi nas noites de lua no cais do mercado, nas feiras, nos pequenos portos do Recôncavos, junto aos enormes navios suecos nas pontes de Ilhéus. 0 povo de Iemanjá tem muito que contar. Vinde ouvir essas histórias e essas canções. Vinde ouvir a história de Guma e de Lívia, que é a história da vida e do amor no mar. E se ela não vos parecer bela a culpa não é dos homem rudes que a narram. É que a ouvistes da boca de um homem da terra, e dificilmente um homem da terra entende o coração dos marinheiros. Mesmo quando esse homem ama essas histórias e essas canções e vai às festas de D. Janaína, mesmo assim ele não conhece todos os segredos do mar. Pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem.

ROSA BRANCA AO PEITO

Teu corpinho adolescente cheira a princípio do mundo.

Ainda está por soprar a brisa que há-de agitar a tua seara.

Ainda está por romper a seara que há-de rasgar o teu solo fecundo.

Ainda está por arrotear o solo que há-de sorver a água clara.

Ainda está por ascender a nuvem que há-de chover a tua chuva.

Ainda está por arder o sol que há-de evaporar a água da tua nuvem.


Mas tudo te espera desde o princípio do mundo:

a doce brisa, a verde seara, o solo fecundo.

Tudo te espera desde o princípio de tudo:

a água clara, a fofa nuvem, o sol agudo.


Tu sabes, tu sabes tudo.

Tu és como a doce brisa, a verde seara e o solo fecundo

que sabem tudo desde o princípio do mundo.

Tu és como a água clara, a fofa nuvem e o sol agudo

que desde o princípio do mundo sabem tudo.

O teu cabelo sabe que há-de crescer

e que há-de ser louro.

As tuas lágrimas sabem que hão-de correr

nas horas de choro

Os teus peitos sabem que hão-de estremecer

no dia do riso.

O teu rosto sabe que há-de enrubescer

quando for preciso.


Quando te sentires perdida

fecha os olhos e sorri.

Não tenhas medo da Vida

que a Vida vive por si.

Tu és como a doce brisa, a verde seara e o solo fecundo

que sabem tudo desde o princípio do mundo.

tu és como a água clara, a fofa nuvem e o sol agudo.

A tua inocência sabe tudo.

António Gedeão de Teatro do Mundo em Poesias Completas

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


  A grande arte deve levar-nos ao lugar do silêncio.

Paul Lynch, escritor

Legenda: pintura de Leonid Afremov

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

«São assim os labirintos, têm ruas, travessas e becos sem saída, há quem diga que a mais segura maneira de sair deles é ir andando e virando sempre para o mesmo lado, mas isso, como temos obrigação de saber, é contrário à natureza humana.»

José Saramago em O Ano da Morte de Ricardo Reis

CONVERSANDO

 As distâncias que os meus pés passaram a ignorar.

NOTÍCIAS DO CIRCO

De acordo com os dados oficiais da PSP, em 2024 foram participados pouco mais de 28 mil crimes, o terceiro número mais baixo desde 2014, só superado pelos dois anos da pandemia, 2020 e 2021.

Os números não agradaram a Carlos Moedas que, quase em fim de mandato, ainda não interiorizou que é presidente da Câmara de Lisboa e mantém a capital num estado de sujidade a tocar as raias do completo estado de degradação, porventura nem sequer visto numa  qualquer terreola perdida nos confins africanos.

Claro que a segurança é importantíssima, mas está mais dentro das funções e preocupações governamentais, do que camarárias. 

Abre os olhos, Moedas!

OLHAR AS CAPAS


Menina e Moça ou Saudades

Bernardim Ribeiro

Selecção, fixação do texto, introdução, notas e glossário: J.G. Herculano de Carvalho

Colecção Literária Atlântida

Atlântida Editora, Coimbra, 1960

Menina e moça me levaram de casa de minha mai para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha. Escolhi para meu contentamento (se antre tristezas e cuidados há hi algum) vir-me viver a este monte onde o lugar e a míngua da conversação da gente fosse como já para meu cuidado cumpria, porque grande erro fora, depois de tantos nojos quantos eu com estes meus olhos vi, aventurar-me ainda a esperar do mundo o descanso que ele não deu a ninguém. Estando eu aqui só, tão longe de toda a gente e de mim ainda mais longe, donde não vejo senão serras que se não mudam, de um cabo, nunca, e do outro águas do mar que nunca estão quedas, onde cuidava eu já que esquecia à desaventura, por que ela e depois eu, a todo poder que ambas podémos, não leixámos em mim nada em que pudesse achar lugar nova mágoa; antes tudo havia muito tempo, como há, que é povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia para outro bem. E foi assi que, por caso estranho, fui levada em parte onde me foram diante meus olhos apresentadas em cousa alheas todas as minhas angústias, e o meu sentido d’ ouvir não ficou sem a sua parte de dor.

CRÓNICA FEMININA

estava nua, só um colar lhe dava
horizontes de incêndio sobre o peito,
a transmutar, num halo insatisfeito,
a rosa de rubis em quente lava.
 
estava nua e branca num estreito
lençol que o fim do sono desdobrava
e a noite era mais livre e a lua escrava
e o mais breve pretérito imperfeito
 
só o tempo verbal lhe fugiria,
no alongar dos gestos e requebros,
junto do espelho quando as aves vão.
 
toda a nudez, toda a nudez, toda a melancolia
a dor no mundo, a deslembrança, a febre, os
olhos rasos de água e solidão 


Vasco Graça Moura

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO

Os meus pais sempre foram da opinião de que o calor fomenta a dissolução dos costumes entre os jovens – disse Emily – Menos roupa, mais lugares para encontros. Fora de portas, fora de controlo. A vossa avó não ficava nada descansada no Verão. Inventava mil razões para me obrigar a mim e às minhas irmãs a ficarmos em casa.

Ian McEwan em Expiação

Legenda: pintura de Édouard Manet

DAS COMISÕES DE INQUÈRITO GOVERNAMENTAIS...

É de muito mau gosto e revela um espírito mal formado procurar explicitar certas expressões consagradas. Os leitores sabem o que elas significam e o jornalista não deve passar um atestado de menoridade à inteligência dos leitores. Só jornalistas associais, inadaptados, anarquistas, bolchevistas e congéneres não respeitam as convenções linguísticas estabelecidas. Toda a gente sabe que quando um político diz que «vai ser nomeada uma Comissão de Inquérito»  isso significa «O assunto vai ser abafado». É inoportuno e manifesta enorme falta de experiência e de educação perguntar-lhe: «Isso significa que o assunto vai ser abafado?». Se tal sucedesse o político deveria responder-lhe: Não faço comentários, que significa, como toda a gente sabe, «acertou em cheio!». Não deveria todavia o jornalista, sob pena de ficar o resto da vida a redigir a Necrologia, insistir: «Isso significa que acertei em cheio?». Do mesmo modo, quando um político diz que «quenão está agarrado ao lugar», apesar de toda a gente saber que isso quer dizer «daqui não saio, daqui ninguém me tira!», não é conveniente o jornalista perguntar-lhe mais nada sobre o assunto que eventualmente possa forçar o homem a expressar melhor o seu pensamento.

Manuel António Pina de uma crónica no Jornal de Notícias de 12 de Dezembro de 1987 em OAnacronista

O SILÊNCIO COMO UM BEM-ESTAR


 Decido dar-lhe tempo deixar que se dissipe pouco a pouco a estranheza, tornando confortável o silêncio como um bem-estar de amigas que já dispensa a voz. Observo as paredes quase curvas da casa, tal o peso da sua solidez, e espero que Maria Carlos queira abrir enfim uma passagem onde eu possa caber.

Hélia Correia em A Casa Eterna

Legenda: fotografia de Luís Eme

NOTÍCIAS DO CIRCO

O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, está em Portugal para convencer o Governo a cortar nos dinheiros da saúde, pensões de reformas e outros apoios sociais, para investir em armamento. Quer retirar dinheiro a quem precisa e alimentar a banca, as multinacionais, quem tem milhões nos paraísos fiscais e todos os que andam a encher os bolsos à custa da guerra. 

Copiado de Abril, Abril    

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Por norma sou sempre levado a dizer que não há livros inúteis.

Este livro com crónicas de Manuel Vásquez Montalbán, publicadas em jornais espanhóis durante os primeiros meses do nosso 25 de Abril, é, obviamente, um livro datado mas nunca, apesar do tempo decorrido, inútil.

Faz-nos lembrar acontecimentos, alguns desconhecidos, outros que não esqueceram, mas que ficaram perdidos num qualquer canto da memória.

Para além disso há o humor, a inteligência, de Manuel Vásquez Montalbán que  o torna digno de leitura. 

OLHAR AS CAPAS


Por Enquanto, O Povo Unido Ainda Não Foi Vencido

Manuel Vasquez Montalbán

Selecção, organização e tradução: Rita Luís

Posfácio: Francesc Salgado

Capa: V. Tavares

Edições Tinta-da-China, Lisboa, Junho de 2024

Mário Soares iniciou o seu périplo europeu em Roma, como convidado de honra na homenagem mundial de Dolores Ibárruri, La Passionaria. Estava na tribuna e levantou o punho esquerdo, que é o punho levantado pelos socialistas; os comunistas, que são casmurros, peculiares e reformistas, levantam o punho direito só para chatear. Pois bem, Soares esteve com La Passionaria e depois conversou com comunistas espanhóis e italianos e com socialistas espanhóis, italianos e alemães. Falou também com Calvo Serer, outro dos surpreendentes assistentes que presidiram à homenagem a Ibárruri. Soares queria favorecer uma imagem esquerdista deteriorada pela luta contra o «cunhalismo» que, segundo ele, é uma doença senil do comunismo e que, segundo nós, é o que quer que soe, e a ti encontro-te na rua.

MALMEQUER

Uma a uma cortei

do malmequer

as pétalas macias

não pra saber

se bem ou mal me queres

mas pra sentir nos dedos

a seda do teu corpo.

 

Edgar Carneiro

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO

Tem de haver uma visão circulatória do estuário do Tejo, em que se possa ir de Almada para o Seixal, do Seixal para o Barreiro, do Barreiro para o Montijo. É esta metrópole que anda à volta da água que tem de se chamar Lisboa.

Ricardo Bak Gordon, arquitecto

OLHAR AS CAPAS


O Homem Esse Desconhecido

Alexis Carrel

Tradução: Adolfo Casais Monteiro

Editora Educação Nacional, Porto s/d

Pela primeira vez na história do mundo, uma civilização, ao atingir o começo do seu declínio, pode discernir as causas da sua doença. Talvez saiba servir-se desse saber, e evitar, graças à maravilhosa força da ciência, o destino comum a todos os grandes povos do passado. O nosso destino está nas nossas mãos. Precisamos de seguir avante pelo novo caminho.

DIGAMOS QUE O FILME NÃO ME ENVERGONHA

- Estás satisfeito com «Branca de Neve»?

- Estou. Quer dizer, estou na medida em que é possível estar satisfeito por fazer filmes. Penso que não é motivo de satisfação para ninguém. Eu fico satisfeito quando como uma perna de cabrito, com filmes não. Digamos que o filme não me envergonha.

Entrevista de João César Monteiro a Diogo Lopes em João César Monteiro, catálogo da Cinemateca. 

AMAR-TE É VIR DE LONGE

Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.

Pedro Tamen de Escrito de Memória em Tábua das Matérias

domingo, 26 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


A literatura serve para incomodar.

Agustina Bessa-Luís

DISTO, DAQUILO E DAQUELOUTRO


David Lynch morreu. Tinha 78 anos.

Em 2024 fora-lhe diagnosticado um enfisema pulmonar causado talvez por cem mil cigarros, toda uma vida agarrada ao tabaco e ao fumo. Fire walk with me! Em Agosto passado, quando publicou aquele que ficará como o seu derradeiro disco, Cellophane Memories, o realizador norte-americano anunciara numa entrevista à revista Sight & Sound que não conseguia atravessar uma sala, quanto mais sair de sua casa para filmar e dar grandes caminhadas, porque ficava sem oxigénio. Só poderia trabalhar à distância, por controlo remoto. Mas não se retiraria, reiterou; e assim apaziguou os fãs.

Agora com a morte de Lynch passou a ler-se:

«Há um grande buraco no mundo agora que ele não está connosco.»

Mas, se pudesse, o cineasta responderia;

«Atenção ao donut e não ao buraco.»

1.

Um qualquer ministro israelita disse que aos palestinos só serão consentidas duas alternativas: ou emigram ou ser-lhes-ão cortados os meios de subsistência, bem como qualquer assistência médica.

Tudo isto «porque toda a Palestina foi dada por Deus ao povo judeu!»

2.

«Os cães eram mais felizes no tempo em que andavam abandonados e se protegiam da chuva debaixo da silvas, comendo o que encontravam ou caçavam. Eram Livres.»

Isabela Figueiredo no Expresso

3.

Nasceram menos 1.133 bebés no ano passado.

4.

Portugal é o país onde 60% da população não lê um livro.

5.

Segundo o Diário de Notícias, todas as sextas-feiras são Big Bottle Day no JNcQUOI Avenida, em Lisboa. Na última sexta-feira um copo de vinho tinto Barca Velha de 2025 custava 155,00 euros.

6.

Cerca de dois milhões de portugueses vivem no limiar da pobreza, dos quais cerca de 500 mil pensionistas que recebem perto de 500 euros por mês. Portugal tem o segundo pior desempenho da UE

7.

«Entre todos os lubrificantes desta ignorância agressiva o primeiro é o deslumbramento tecnológico, a ideia de que basta saber meia dúzia de operações num telemóvel, fazer procuras rudimentares na rede, e ler e escrever mensagens mais ou menos guturais, para não precisar de comprar jornais, ver qualquer coisa que demore mais de uma meia dúzia de minutos, e isso significa ser “moderno”. O segundo lubrificante é um falso igualitarismo: eu não preciso saber nada sobre o tempo, para me pronunciar sobre as alterações climáticas. A democracia e a ignorância agressiva
A capacidade de distinguir entre a verdade e a mentira (seja lá o que for a verdade, mas ela existe como procura), desaparece numa selva que coloca a conspiração ao nível do saber e por isso faz com muita eficácia escravos públicos dos demagogos e privados dos que fazem os algoritmos ou “plantam” estrategicamente “informações” para alimentar a vossa fome de distração e de fúria, ou seja, entre Trump e Putin.»


José Pacheco Pereira no Público de 11 de Janeiro.

Legenda: pormenor da capa do Público de 17 de Janeiro.

MÚSICA PELA MANHÃ


Pat Boone é um cantor do meu tempo, tempos de Paul Anka e Elvis Presley também outros.

 Nasceu em Jaksonville no dia 1 de Junho de 1934 e ainda está vivo.

A rapaziada do meu tempo não simpatizava muito com ele e nunca percebi porquê e também nunca preocupei com isso.

A canção Dear John, que hoje vos trago pela manhã, conheci-a através do Pat Boone e é uma velha canção country (1953) cantada em dueto por Jean Shepard e Ferlin Husky.

Seguem as duas versões e também um velho papel rabiscado em 18 de Janeiro de 2008:

Jorge Silva Melo a páginas 226 do seu “Século Passado”, escreve: “Foi passando a vida, fomos deixando o Saldanha e agora olho para aquela praça quando por ela passo e pergunto-me se estou em Lisboa, se ainda este sítio é meu, tão meu, tão íntimo que foi. (…)

"Mas dão-me saudades fundas, apetecia-me ver o cartaz do “Exodus” subir, desenhado com perícia no atelier do Dongrie de Carvalho lá de cima do Monumental.

O cartaz do filme do Otto Premeinger não o tenho, mas tenho o tema do filme cantado pelo Pat Boone num “EP” London LES 545, também “Made in Portugal”.

Os títulos das canções estão em português: “Canção do Filme Exodus, “Esta Noite Há Luar”, “Querido João”, “Alabama”.



OLHAR AS CAPAS


 Desprezo

Vladimir Nabokov

Tradução: Telma Costa

Capa: Maria Manuel Lacerda

Editorial Teorema, Lisboa, Agosto de 2010

Para meu mal, o meu conto degenera em diário, Mas não há nada a fazer; pois habituei-me de tal modo a escrever, que agora não sou capaz de desistir. Um diário, admito é a mais baixa forma de literatura.

sábado, 25 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


O silêncio é um dos argumentos mais difíceis de refutar.

Josh Billings

O OUTRO LADO DAS CAPAS

O livro que o Público de hoje publica, pelo preço de 11,90 euros, integrado na colecção «25 de Abril: os dias da Revolução  é um documento notável.

Um longo desfile de fotografias que se estendem desde o 5 de Outubro de 1910 a 1 de Maio de 1974.

Cerca de 500 documentos fotográficos, e alguns mais que, no livro, por necessidade editorial se suprimiram, fizeram parte de uma exposição fotográfica que esteve, durante cerca de um mês, patente ao público, em Lisboa, aquando das comemorações do 25 de Abril realizadas em 1977. 

OLHAR AS CAPAS


Da Resistência à Libertação

Capa: Sérgio Guimarães

Colecção: 25 de Abril, Os Dias da Revolução nº 3

Edição Fac-simile Editora Mil Dias/Jornal Público, Lisboa, Janeiro de 2025

A imagem continua a ser a linguagem mais fácil da memória.

Recordar, através dos olhos, é estabelecer um diálogo connosco e com os acontecimentos que, diferentemente do diálogo com a palavra, nos transmite, mais que criatividade imaginativa, a sensação física de termos estado neles e donde resulta uma necessidade reflexiva de negação ou aceitação da realidade experimentada, o que torna o acto de recordar, vivo.

O livro que está agora nas mãos do leitor (aquele que vê) vai-lhe fazer chegar à memória, para além de factos, figuras e acontecimentos que não presenciou ou não viveu, uma grande soma de realidades a que ele, leitor, inflectiu o sentido com a sua intervenção.

Vamos estar perante um alucinante filme do tempo mais perto de nós. Neste filme, todos fomos protagonistas; deste filme continuamos a fazer parte, olhar esta obra, agora, sessenta, quarenta, vinte, dez, três anos mais tarde terá de nos trazer a exaltação interior de sabermos que, no destino português deste século, uns durante mais tempo ou com maior relevância que outros, todos fomos-somos responsáveis.

Do prefácio de Orlando Neves

CAMINHANTE SOBRE O MAR DE NÉVOA


Esta á a pintura de Caspar David Friedich que o João Pacheco utiliza no texto do Expresso para referir a Exposição que o pintor terá patente de 8 de Fevereiro a 11 de Maio no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque.

MÚSICA PELA MANHÃ


No Caminho das Estrelas.

O recorte pertence a um texto que o João Pacheco publicou no Expresso de 10 de Janeiro.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


 Desde cedo me encontrei desinteressado de coisas que interessavam à maioria. Na adolescência, tive duas fascinações: a santidade e a poesia. A santidade, adeus, aos catorze anos isso estava arrumado. Ficou a poesia.

Eugénio de Andrade

Legenda: Eugénio de Andrade

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As Torres Milenárias

Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Henrique Ruivo

Livraria Bertrand, Lisboa, 1971

A vossa vida é uma afronta para as pessoas que trabalham e sofrem, que se desunham para pagar a renda da casa, para poderem comer, e mal, que a vida está cada vez pior, e que até se esquecem do sexo, de tão cansadas que andam… Em suma, os oitenta ou noventa por cento das pessoas que trabalham… para vocês e outros como vocês fazerem frases… jogarem… os vossos jogos…

OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE

Sejamos claros: o problema não é o que Elon Musk escreve no X: o problema são os cheques que ele depois passa quando vai para casa. Sem cifrões – palavra que foi perdendo crédito entre nós após a conversão de Portugal ao euro – os pontos de vista de Musk não teriam sequer cotação na bolsa de valores da opinião pública. E, sim, até onde a minha vista alcança, nunca como hoje foi tão absolutamente visível que money makes the world go round, de resto um facto bastante anterior ao dueto de Liza Minnelli e Joel Grey em 1972 no Cabaret de Bob Fosse. Em 1914, o norte-americano de origem alemã, Adolf Philipp, um nome então bem conhecido da Broadway, compôs canção de título idêntico para a comédia musical Two Lots in the Bronx e, sem nos desviarmos do tema, recorde-se que o primeiro volume de O Capital de Marx foi publicado ainda antes, em 1867. Há mais de 150 anos que andamos à volta do mesmo.

Parecer actual e irrefutável: os ricos estão a ganhar! E nem o mais pobre de entre nós ousará dizer o contrário.

Da crónica de Ana Cristina Leonardo no Público de 10 de Janeiro.

SIM, A LUCIDEZ...

«Quando o proprietário de fábrica ou o grande proprietário de terras tem ideias políticas e é de direita, isso compreende-se imediatamente considerando os seus interesses económicos imediatos. Quando o operário de fábrica tem uma orientação política de esquerda isso é também muito racional e consequente e tem raíz na sua posição económica e social na empresa. Mas quando operários, empregados ou funcionários têm uma orientação política de direita, isso acontece na maior parte dos casos por falta de lucidez política, ou seja, por ignorância da sua posição social. Quanto mais se mostrar apolítico alguém que faça parte da grande massa dos trabalhadores mais será facilmente receptivo à ideologia da reacção política. Ora esse apolitismo não é, como se julga, algo como um estado psíquico de passividade, é um comportamento inteiramente activo, uma defesa contra a consciência política.»

Wilhelm Reich, copiado daqui.

UM SORRISO PARA CIBELE

Aqui não há nada, Cibele,
a não ser uma alameda estreita
com renques de flores à esquerda e à direita.

As flores são daquelas que eu não gosto, Cibele.
Pretensiosas.
Zinias, dálias, crisântemos, margaridas e rosas.
As flores de que eu gosto são das que ninguém planta nem semeia,
daquelas que a gente passa e diz: “Olhe, faz-me favor.
Sabe-me dizer como se chama esta flor?”

Não gosto delas, não,
mas à falta de melhor, Cibele,
é nelas que cevo a minha solidão.

Todas as manhãs quando aqui passo para as ver
acaricio-as á flor da pele
e balbucio as palavras que ficaram por dizer.

Assim se vai passando o tempo, Cibele.

António Gedeão de Linhas de Força em Obra Completa

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO


As vantagens de aprender a escrever com os Pardais.

Adília Lopes 

OLHAR AS CAPAS


Cavatina

Horácio Tavares de Carvalho

Capa: Antunes

Círculo de Leitores, Lisboa, Maio de 1983

- Em que pensas, Sheila?

- Estou a «ouvir» o silêncio.

- O silêncio ouve-se?...

- Sempre se ouviu, mas são poucos os ouvidos eleitos.

- De que planeta vieste tu?

- De um planeta que está a milhares de anos-luz da Terra.

Uma viagem demorada?...

- Apenas alguns minutos.

- Como é o teu planeta?

- Não tem Inverno nem Verão, nem chuva nem neve. E somos todos imortais.

CASA DE SOL ONDE OS ANIMAIS PENSAM

                                                           a Maria Teresa Horta


Casa de sol onde os animais pensam
erguida nos ares com raízes na terra
ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com antigos ditados e flores picantes
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para se renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura

António Ramos Rosa em Obra Poética, Vol. I

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

POSTAIS SEM SELO

O Socialismo deveria ser uma aristocracia para todos.

Sophia De Mello Breyner Andresen

MÚSICA PELA MANHÃ


WARNER BROS RECORDS - LP-S-65/47/48/49 - 1978

Quando o cerco é grande – olhem pela janela e vejam como ele aperta! – vai à estante à cata de um vinil que lhe devolva um certo alívio, uma outra cor, que não o cinzento, ou o negro.

Tropeçou na capa amarela dos The Band, The Last Waltz,o concerto que, marcou a despedida de um grupo de rapazes que, estrada fora, andaram a enfeitiçar gentes.

Um dia Bob Dylan deu-lhes a mão.

Ou foram eles que ajudaram Dylan a saltar para a outra margem?

Quem se importa agora com isso?

Pode ler-se na capa que este triplo álbum, mais o encarte, custou 915$00 (ao cambio de hoje nem chega a cinco euros) e foi adquirido na Discoteca Mitexa que, se a memória não o atraiçoa, ficava no Cento Comercial Imaviz.

Um disco fabuloso que regista uma noite única, (25 de Novembro de 1976) precedida de jantar de Acção de Graças, e em que gente de fino corte, decidiu homenagear uma banda que marcou um tempo.

Ou todos os tempos?

Para além dos rapazes propriamente ditos, e entre outros, lá estiveram Neil Young, Joni Mitchel, Dr. John, Eric Clapton, Van Morrison, Bob Dylan, Ringo Sarr, Stephen Stills, Emmylou Harris e até Neil Diamond - quem diria? - mais o seu casaquinho azul.

Deste concerto, Martin Scorsese fez um filme documentário que, para quem não o viu numa sala de cinema, pode rectificar a lacuna, comprando, em qualquer baiúca da cidade, o respectivo DVD.

Forever Young.

 

Em tempoQuem por lá andou, certamente se lembra que era com o instrumental de The Last Waltz que o Mário Dias fechava as noites longas do Jamaica.

E que outros tempos!...