quinta-feira, 19 de maio de 2011

MANUEL GALRINHO BENTO


Numa equipa de futebol duas posições realizam o meu imaginário: os guarda-redes e aquilo que a gíria denomina por ” número 10”.

Guarda-redes é o lugar mais ingrato numa equipa de futebol. Todos se esquecem dos falhanços dos avançados, das fífias dos defesas, mas ninguém esquece os frangos que eles consentem.

Sobre o verdadeiro “número 10”, o Jorge Valdano tem a opinião que, mesmo que se apresente em campo disfarçado de sevilhana, de imediato é reconhecido.

Dos guarda-redes comecei por falar do Damas porque, mesmo não sendo do Benfica, sempre me cativou. Por uma crónica do António Lobo Antunes, o Barrigana, ainda o vi jogar, também já andou por aqui. Mas hoje venho por Manuel Galrinho Bento.

São jogadores como Bento que permitem que se goste de futebol por toda uma vida, são eles a alegria única de um povo que passa grandes privações. Lembrança do Patolas, alentejano de Moura, que encontrei na tropa, e que dizia que mais valia ser do Benfica do que ser rico, ou Augusto Abelaira a escrever que se o futebol estivesse por inventar, seria ele a inventá-lo, ou Albert Camus a dizer que “tudo o que de importante aprendi na vida aprendi no futebol, aprendi rapidamente que uma bola nunca nos chega de onde a esperávamos e isso serviu-me para toda a vida.”

Quem gosta de futebol sabe que a razão não existe, tão pouco declarações de princípios: um golo é um golo nem que seja metido com a mão, como aquele do Vata contra o Marselha que deu uma final europeia.

Futebol é aquele perfume de irracionalidade, a paixão que arrisca o enfarte, o Xanana Gusmão, descontraidamente, no pátio da prisão de Cipinang, a passear-se com um boné do Benfica na cabeça, ou o Artur Semedo a dizer, que não queria saber do espectáculo para nada, que o que ele queria era que o Benfica ganhasse, porque quando quisesse ópera ia a São Carlos.

Como dizia Carlos Drumond de Andrade: “bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.

Manuel Galrinho Bento é o guarda-redes do Benfica de que mais me lembro, e eu vi muitos: O Sebastião que acabou no Estoril, Bastos, o rei do sono, Costa Pereira, o “Costa dos Frangos”, aquele golo na final de San Ciro, debaixo de chuva torrencial, que dá a vitória ao Inter, uma bola por debaixo das pernas e ele a dizer que sentira uma dor, depois a desembarcar na Portela, em cadeira de rodas vã tentativapara disfarçar o frango, qual frango um enorme  peru, o Melo a levar quatro do Sporting na Luz , todos os golos do Lourenço, também debaixo de  temporal, o Benje um guarda-redes negro que acabou no Varzim, José Henriques, o célebre Zé Gato, , Neno que seguiu para Guimarães, Michel Preud’homme, elegante como um príncipe.

Começou no Riachense, clube de uma localidade perto da Golegã, onde nasceu, esteve seis anos no Barreirense, a 8 de Dezembro de 1970, na festa de homenagem a Mário Coluna, substituiu o lendário Yashine, na selecção europeia que defrontou o Benfica, deu nas vistas  e a partir de 1972 chega ao Benfica.

Ao serviço do Benfica disputou 464 jogos oficiais tendo conquistado 8 campeonatos nacionais, 5 taças de Portugal e duas Supertaças.

Ao serviço da Selecção Nacional realizou 63 jogos e tanto no Benfica, como na selecção, foi capitão de equipa.

Na década de 80 esteve 1.299 minutos sem sofrer um golo.

Aos 42 anos pendurou as chuteiras.

Não tinha peneiras nenhumas e possuía aquele espécie de dignidade que se lhe agarrou à pele, quando ainda garoto, e antes de chegar ao futebol, foi servente de pedreiro. Vestia-se pessimamente.e esteve envolvido em histórias mirabolantes.

Em Alvalade, quase em vésperas de Natal, sabe-se lá porquê, resolveu dar uma palmada no Manuel Fernandes que originou expulsão, penalty penalty e a vitória do Sporting por 1-0. Diz a lenda que na segunda-feira estavam a almoçar juntos.

Num jogo em Setúbal puxou os cabelos ao Victor Madeira.

Aquela terrível noite dos 4 a 1, na Luz , dos 4 a 1o Liverpool, tempo de  Kenny Dalglish, Graham Souness e Ian Rush: frangos de todo o tamanho e  que o primeiro tinha sido por culpa dos holofotes do estádio.

Aquele jogo em Estugarda, o do pontapé do Carlos Manuel que nos apurou para Campeonato do Mundo do México, bolas a bater na trave, nos postes, e o Bento a evitar golos mais que feitos.

Aquela entrevista surrealista, nos inenarráveis tempos de Saltillo, porta-voz da contestação dos jogadores esparramado numa cadeira de hotel ,em  calções, “hawainans nos pés, a dizer que “se não fosse o cozinheiro já tínhamos ido todos embora”.

Também ao serviço da Selecção Nacional, quando em Moscovo encaixou cinco e disse aos jornalistas que aquilo aconteceu porque na União Soviética se passava fome e no hotel nem fruta tinham comido. Houve quem não gostasse e no dia a seguir, à porta da sua casa no Berreiro, puseram-lhe um fardo de palha.

Acabámos por nos qualificar para o europeu de França, um penalty inventado por Chalana, na Luz contra a União Soviética, mas a magia de Platini &; Cª deu cabo do nosso sonho. Esse jogo da meia final do Europeu, terá sido, entra tantas outras, a melhor exibição de Bento.

No Benfica vi jogar muitos guarda-redes, mas é sempre de Bento que me lembro.

Conservando o bigode que sempre o distinguiu, os colegas chamavam-lhe “o pincel”, morreu, de fulminante ataque cardíaco, no dia 1 de Março de 2007. Tinha 58 anos.

O estádio municipal da Golegã chama-se Manuel Galrinho Bento e, no Barreiro, também é nome de rua. .

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