quinta-feira, 26 de maio de 2011

OS CLÁSSICOS DO MEU PAI


Sempre acontece assim:

Ninguém, até hoje, me empresta tanta comoção como Carlos Paredes.

 E é vasto o meu panteão de gente de que gosto.

Não apenas pela sua genialidade, o seu virtuosismo, mas também a sua coerência, a sua postura perante a vida, os ideias que cedo abraçou e nunca mais abandonou, uma modéstia arrasadora que levou um dia Amália Rodrigues a dizer que só lhe apetecia bater.

Ouvir Carlos Paredes é sentir todo um país, este que a que, volta e meia, emprestamos arremedos de amor e ódio.

Carlos Paredes era um dos clássicos do meu pai.

Foi ele que comprou todos vinis e considerava-os arrepiantes

Ficava com os olhos molhados quando ouvia Guitarra Portuguesa e era esse o disco que aqui eu devia colocar.

Mas será este, e passo a explicar.

Uma mensagem enviada de Serajevo, o Pedro a perguntar-me se eu tinha o Movimento Perpétuo, na volta eu a dizer que não, já o tivera, mas o disco, emprestado que foi, pelas artes do costume, não retornou à casa mãe, ele a finalizar a conversa: “comprei dois, levo-te um quando for a Lisboa.”

Está aqui.

Este lindíssimo disco do Príncipe que nos calhou em sorte, Carlos Paredes de seu nome.

Um tempo feliz, porque uma coisa é ter discos, outra coisa é esses discos serem de vinil, e só quem foi do tempo do vinil, sabe do que estou a falar.

Obrigado, Pedro!

Como isto anda tudo ligado, não fica mal colocar aqui um texto do Mário Viegas, escrito para uma homenagem que, em 1993, o TEL fez a Carlos Paredes.

A mensagem está incluída na "Auto-Photo Biografia" de Mário Viegas:

«Conheci Carlos Paredes no Pólo Norte … Exactamente! Numa viagem “Mágica” de avião que atravessou esta bola imensa em que vivemos, a caminho do Japão, em 1970, com a Companhia do Teatro Experimental de Cascais.
Lembra-se Carlos, da nossa noite perdida no “bas-fond” de Osaka? O que nos divertimos!!!
É que Carlos Paredes é não só um músico genial como um conversador imparávelel, um homem cultíssimo, um namoradeiro incorrigível, um eterno apaixonado, o maior distraído do Globo terrestre, que atravessou sempre a vida de gravata, máscara de uma enorme humildade e violenta coragem física e crítica.
Se a “Cantiga é uma Arma”, as suas guitarras são e foram um dos maiores canhões contra o fascismo e a indignidade!
Tive a honra de viver com ele espectáculos e convívios que não me esqueço. Mas sem os querer maçar, gostava só de recordar um dos momentos mais comoventes da minha vida. O primeiro espectáculo que se fez dentro dum quartel depois do 25 de Abril, na noite de todos os nossos Primeiros de Maio. No quartel do Campo Grande, onde durante dois anos me embebedava com o horror da estupidez da tropa, como pseudo-oficial miliciano…
Sem hesitar, o Paredes aceitou ir tocar no refeitório e eu a dizer poemas, pela lª vez em Liberdade. E ao ver aquelas centenas de trabalhadores-fardados a aplaudir de pé, a chorarem, a inutilidade da Poesia e das notas de uma guitarra, tive a certeza que ainda podemos servir para alguma coisa como artistas.
Beijinhos Paredes e copiando o seu inimitável estilo, só lhe resta dizer entre o surpreendido e o desajeitado

“Oh amigo!!!»


Nota do editor: o ano da edição em vinil é 1971.
A fotografia da capa é de Augusto Cabrita.
Carlos Paredes é acompanhado por Fernando Alvim na viola e Tiago Velez na Flauta.

2 comentários:

gabalara disse...

O curioso e que comprei o disco em Varsovia. Va-se la saber como la foi parar...mas o que importa e que regressou a casa.
grande abraco
Pedro

filhote disse...

Tenho saudades do mestre Paredes!

Nunca antes, ou depois, uma música definiu tão profundamente a nossa identidade.