Ievtuchenko em Lisboa
Tradução directa do russo por J. Seabra-Dinis, com a colaboração de Fernando Assis Pacheco para a versão poética final.
Capa de Fernando Felgueiras.
Publicações Dom Quixote, Lisboa Junho de 1967.
Sou um comboio rápido que há mitos anos vai e vem
entre a cidade Sim e a cidade Não.
Os meus nervos estão tensos como cabos
entre a cidade sim e a cidade Não.
Tudo está morto e assustado na cidade Não.
É como um embrulho feito de tristeza.
Dentro dela todas as coisas franzem a testa.
Há medo nos olhos de todos os retratos.
De manhã enceram com bílis o soalho.
Os sofás são de falsidade, as paredes de miséria.
Nunca te darão nessa cidade um bom conselho,
nem um ramo de flores, nem um simples aceno.
As máquinas de escrever batem, com cópia, a resposta:
“Não-não-não… não-não-não… não-não-não…”
E quando enfim se apagam as luzes
os fantasmas iniciam o seu lúgubre bailado.
Nunca, ainda que rebentes, arranjarás bilhete
para fugir da negra cidade Não.
Ah, mas a vida na cidade Sim é um canto de ave.
Não tem paredes a cidade, é como um ninho.
As estrelas dizem que as acolhas nos teus braços.
E sem vergonha seus lábios pedem os teus lábios,
num brando murmúrio: “São tudo tolices…”
A flor provocante implora que a cortes,
os rebanhos oferecem o leite com seus mugidos.
ninguém tem ponta de medo.
E aonde queiras ir te levam num instante comboios, barcos, aviões,
e com um rumor vai a água murmurando:
“Sim-sim-sim… sim-sim-sim… sim-sim-sim…”
Mas às vezes é certo que aborrece
ser-me dado, afinal, tudo sem esforço
nesta cidade Sim, deslumbrante de cor.
É melhor ir e vir até ao fim da minha vida
entre a cidade Sim e a cidade não!
É melhor ter os nervos tensos como cabos
entre a cidade Não e a cidade Sim.
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