O
caso GES-BES tem suscitado uma pergunta simples: como foi possível que
gravíssimas práticas fraudulentas tivessem escapado durante anos à vigilância
das autoridades de regulação, incluindo à vigilância da troika sobre o setor
bancário? A resposta é tão dura quanto simples: nos últimos 30 anos muitos
governos (de direita e de esquerda) foram responsáveis pela criação dos
alçapões e das opacidades que transformaram o sistema financeiro europeu (e
mundial) num campo minado onde aventureiros põem em perigo a segurança de
milhões de pessoas. Em 1933, em plena Grande Depressão, o Congresso dos EUA
produziu uma lei (Glass-Steagall Act) que restaurou a confiança no sistema
financeiro: separou e protegeu os bancos comerciais, face aos bancos de
investimento. Por outras palavras: os bancos que recebiam as poupanças dos
depositantes e que emprestavam às empresas na economia real não podiam fazer
operações especulativas com produtos financeiros. Durante décadas essa
higiénica distância permitiu prosperidade económica, a par de visibilidade e
eficácia no trabalho dos reguladores. Contudo, o lóbi financista, embalado pelo
mantra do neoliberalismo, não descansou enquanto não meteu no bolso os governos
e os parlamentos necessários para misturar tudo de novo. Em 1999, o Congresso
americano revogou a lei de 1933, regressando à promiscuidade especulativa. Por
todo o lado, incluindo a UE, as leis "liberalizaram-se", no sentido
de criar obscuridade, onde antes havia transparência. Criaram-se condições para
mascarar a exposição da poupança das famílias, no labirinto arriscado das
ações, das obrigações e de uma miríade de derivados toxicamente imaginativos.
Os políticos que se queixam dos banqueiros deveriam ter vergonha. O caos habita
nas leis que eles próprios assinaram. Seria interessante saber como e porquê...
Viriato
Soromenho-Marques, hoje, no Diário de Notícias
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