Há coisas que custam a engolir mas, pronto, tenho de
aceitar. Eu já não tinha gostado da PJ a vasculhar os papéis nas minhas duas
salas no Hotel Palácio, mas lá aceitei. Depois, quando o juiz me avisou de que
ia interrogar-me no dia seguinte, levantei a sobrancelha, incomodado. Mas,
pronto, tive de aceitar. Disse-lhe que lá estaria, o meu motorista haveria de
me pôr no Campus de Justiça à hora marcada, mas ele respondeu que iriam à minha
casa buscar-me. Que remédio, aceitei. De manhã, bem vi o ar pasmado da minha
empregada, ao dizer: "Estão à porta dois polícias que perguntam pelo
senhor doutor." Custou-me? Muito, mas aguentei. Percebi os sorrisinhos
trocados entre o guarda e o motorista, mas pus cara de quem não viu. Chegado ao
TIC, no corredor cruzei-me com olhares impertinentes dos beleguins, mas
aguentei. No juiz topei o revanchismo dos sans-culottes, mas respondi a tudo,
calmo. Na pausa de almoço contaram-me a histeria das rádios e televisões -
"detido!", gritavam todos - e aguentei. Voltei ao interrogatório do
Robespierre, aturei as perguntas, sofri a condição de arguido, tolerei as
acusações, resignei-me à caução a pagar... Aceitei tudo! Mas há uma coisa que
não admito. A mim, que fui estes anos todos o rosto do mercado de capitais, o
epítome da bolsa de valores, não se devia ter feito este insulto: no dia em que
fui detido, interrogado e constituído arguido, as ações do BES sobem?!
Ferreira
Fernandes, crónica no Diário de Notícias de hoje.
Legenda: imagem do Diário de Notícias.
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