Tenho andado por aqui com alguns problemas de consciência por ter
louvado a memória de Paul Siebel e nada ter dito acerca de Jerry Jeff Walker.
No início das suas carreiras, muitas coisas aproximaram estes dois
folksingers. No final, quase tudo os separou
Ambos eram originários do distrito de Nova York e ambos iniciaram as
suas carreiras nos bares de Greenwich Village, em meados dos anos 60 do século
passado.
Foram cúmplices e amigos, chegando até a partilhar o mesmo apartamento
durante algum tempo.
E ambos gravaram o seu primeiro álbum com a ajuda indispensável de
amigos comuns, à cabeça dos quais se encontrava o inseparável David Bromberg.
Apesar de 5 anos mais novo do que Paul Siebel, Jerry Jeff foi o
primeiro a gravar, em 1968, com 26 anos. Siebel só gravaria o seu primeiro
álbum dois anos mais tarde, com 33 anos.
A partir daqui tudo os separa.
Siebel era melancólico e introvertido.
Walker, pelo contrário, era alegre, exuberante, extrovertido
Siebel, por seu lado, nunca teve um verdadeiro grande sucesso, embora
“Louise” tenha sido a que dele mais se aproximou. Como vos contei, gravou dois
álbuns de originais de enfiada em 1970 e 1972, na mesma editora (a Elektra).
Depois só voltaria a dar sinais de vida com um novo álbum ao vivo nos finais
dessa década, para a seguir desaparecer, de vez, vindo a acabar os seus
dias há pouco mais de dois meses numa cidadezinha do Maryland, completamente
esquecido e tendo como última profissão conhecida a de honrado, mas humilde,
funcionário camarário.
Jerry Jeff Walker gravou várias músicas de Paul Siebel, mas este nunca
teve oportunidade de lhe retribuir o gesto.
De Jerry Jeff existem muitos registos filmados disponíveis no YouTube.
De Siebel, praticamente nada…
Não admira…
Ao longo da sua carreira, sem contar com coletâneas, discos ao vivo e
colaborações com outros intérpretes, Jerry Jeff terá gravado mais de vinte
álbuns de originais, embora relativamente poucos nos seus últimos 20 anos de
vida. Um dos últimos foi, aliás, o muito agradável “Jerry Jeff Jazz”, de 2003,
no qual se aventurou pelos standards da música popular americana, muito
antes de Bob Dylan ter feito o mesmo.
Enquanto Siebel sempre gravou os seus originais na Elektra, Jerry Jeff
também por lá passou, mas gravou, igualmente, na Vanguard, na ATCO e na MCA,
antes de lançar, em 1986, a sua própria editora (a “Tried & True Music”).
Em meados dos anos 70 Jerry Jeff mudou-se, de vez, para Austin, no
Texas, e aí se juntou a um grupo de músicos que integrava Willie Nelson e
Waylong Jennings (que já lá estavam antes…), mas também Guy Clark, Townes Van
Zandt e, mais tarde, Lucinda Williams, os quais foram responsáveis por uma
autêntica renovação da “Country Music”, elevando-a a patamares de qualidade
mais elevados e levando muito boa gente a afirmar que foi Austin, e não
Nashville, o centro nevrálgico da “country” de maior qualidade nas últimas
décadas.
É também em Austin que se realiza um dos melhores Festivais de
Música dos Estados Unidos: o “Austin City Limits”, onde os “foleiros” de
Nashville não entram e só lá vai gente de grande qualidade.
Enquanto Siebel terá vivido os seus últimos anos de vida de uma forma
remediada, Jerry Jeff teve uma vida relativamente desafogada e até se deu ao
luxo de possuir uma casa de praia em Belize, na qual chegou a gravar um disco
(“Cowboy Boots & Bathing Suits”, de 1998).
Morreria em Outubro de 2020, de um cancro na garganta. Mas ainda foi a
tempo de publicar uma autobiografia, “Gypsy Songman”, cujo título retoma o de
uma das suas últimas coletâneas de música.
Mas da vida de Jerry Jeff já basta…
Passemos a “Mr. Bojangles”, que faz parte do seu primeiro álbum de
originais com o mesmo nome, lançado em 1968, como já atrás vos disse.
Tenho-vos dito aqui que umas das maravilhas da Folk é a fazer
música sobre todos os aspetos da vida e de retratar personagens muito distintos
uns dos outros, desde figuras notáveis (por bons ou por maus motivos…) da
História dos Estados Unidos até aos mais humildes e miseráveis da sua
Sociedade. E de dar tanta dignidade humana a uns como a outros, como vos
mostrei recentemente com a “Louise” do Paul Siebel.
“Mr. Bojangles” trata de outro desses vencidos da vida…
Parece que em 1965, devido a posse e/ou consumo de estupefacientes,
Jerry Jeff Walker terá passado algum tempo (não sei quanto…) numa prisão de New
Orleans e, entre os prisioneiros que lá se encontravam, estava um que se
recusava a dizer o seu verdadeiro nome e se apresentava como sendo “Mr.
Bojangles”, em homenagem ao ator/dançarino negro Bill “Bojangles” Robinson que
nos lembramos de ver em musicais dos anos 30 a dançar com o Shirley Temple.
Esse homem – branco, ao que consta… - era um “sem abrigo” que
ganhava a sua vida a executar nos bares e na rua números de sapateado à maneira
do verdadeiro “Bojangles” e tinha ido dentro, na companhia de outros
comparsas, sob suspeita de ter participado num assassinato local. Parece que o
terão arrebanhado numa lógica de ele ser, sempre, um dos “suspeitos do
costume”… No passado teria sido um ator de minstrel shows
que percorrera todo o Sul na companhia de um cão, com o qual partilhava um
número. Mas o cão, entretanto, morrera, deixando o pobre “Bojangles” entregue à
sua sorte.
Com medo de se comprometer caso falasse demais, o homem pouco mais
contava da sua vida e, em plena prisão, expressava-se pela dança. Ria em
permanência e saltava alto, muito alto, o que fazia a alegria dos presentes,
incluindo a de Jerry Jeff que lhe apanhou o “boneco” para a música cuja letra
vos passo a apresentar:
“I knew a man
"Bojangles", and he danced for you
In worn out shoes
Silver hair, a ragged shirt and baggy pants
The old soft shoe
He jumped so
high
He jumped so high
And then he'd lightly touch down
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance
I met him in a
cell in New Orleans, I was
Down and out
He looked to me to be the eyes of age
As the spoke ran out
He talked of
life
He talked of life
He laughed, clicked his heels and stepped
He said his
name "Bojangles", and he danced a lick
Across the cell
He grabbed his pants and feathered stance
Oh, he jumped so high
Then he clicked his heels
He let go a
laugh
He let go a laugh
Shook back his clothes all around
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance
He danced for
those in minstrel shows and county fairs
Throughout the south
He spoke with tears of fifteen years how his dog and him
Travelled about
The dog up and died, he up and died
After twenty years he still grieves
He said,
"I dance now at every chance in honky tonks
For drinks and tips
But most the time I spend behind these county bars
'Cause I drinks a bit"
He shook his
head
And as he shook his head
I heard someone ask him "Please"
Please
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Mr. Bojangles
Dance”
E assim se fez um sucesso na Folk Music…
Não pela voz do próprio Jerry Jeff, como já vos disse, cuja versão nunca voou muito alto. Mas por gente célebre como Sammy Davis Jr, Nina Simone, John Denver, Bob Dylan, Neil Diamond ou os The Nitty Gritty Dirt Band, que foram aqueles que parece terem tido maior sucesso de vendas, embora eu não ache muita graça à sua versão.
Lembro-me de ter ouvido pela primeira vez essa música pela voz de John Denver, no álbum “Whose Garden Was This”, de 1970, e só depois fui saber quem era Jerry Jeff Walker.
Deixo-vos com três versões: a de John Denver, por ter sido a primeira que ouvi, a da Nina Simone, porque é um registo diferente de todos os outros, e uma versão do próprio Jerry Jeff, não a original de 1968, mas outra que fez quase vinte anos mais tarde para a coletânea “Gypsy Songman” e que é instrumentalmente mais rica.
Quanto a Jerry Jeff Walker, esse deve ter acendido uma velinha e
abençoado o polícia que o obrigou a passar aquela noite na prisão…
Texto de Luís Miguel Mira
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