quinta-feira, 2 de junho de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

A última vez que andámos pelos Sublinhados Saramaguianos estivemos a falar de música.

No entanto, ainda não encontrei o livro, em terei lido a primeira referência de Saramago a um compositor, no caso Monteverdi.

Voltamos àquela frase de José Saramago :

«Antes de escrever escuto a música que há nas palavras».

Pegamos mo Memorial do Convento.

Deixando Blimunda e Baltazar nas margens do texto, ficamos a saber que Saramago nos diz que «ainda se encontram famílias felizes» e fala de casamentos reais em Espanha e Portugal e a partir dai de uma tal Maria Bárbara cara de lua cheia, mas «é uma boa rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa, pelo menos não caíram em cesto roto as lições do seu mestre Domenico Scarlatti, que com ele seguirá para Madrid, donde não volta.»

(página 297).

Domenico Scarlatti é um nome que aparece muitas vezes citado no Memorial do Convento. D. João V contratou-o para iniciar a infanta Maria Bárbara na arte musical, mas Saramago coloca o poder curativo da sua música e que liberta Blimunda da sua estranha doença,  mas o músico, a sua música, foram também cúmplice na construção da passarola do Padre Bartolomeu de Gusmão, um padre que queria voar.

  «Levou o seu tempo a cerimónia. Às tantas calou-se por milagre a multidão, mal se moviam as auriflamas e os estandartes nos mastros, os soldados olharam todos na direcção da ponte e da casa. Começara a ouvir-se uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e prata, um harpejo às vezes rouco, como se a comoção apertasse a garganta da harmonia. Que é isto perguntou uma mulher ao lado de João Elvas, e o velho respondeu, Não sei, alguém que está a tocar para divertimento das majestade e alteza, se estivesse aqui o meu fidalgo perguntava-lhe, ele sabe tudo, é lá deles. Acabará a música, todos irão aonde têm de ir, corre sossegadamente o rio Caia, de bandeiras não resta um fio, de tambores um rufo, e João Elvas nunca chegará a saber que ouviu Domenico Scarlatti tocando no seu cravo.»

(página 318)

«Baltasar e Blimunda, que deitados perguntam, Que música é esta.

(página 164).

A música do cravo de Domenico Scarlatti soando entre as linhas de um livro maravilhoso.

Subiu para as estrelas? Não subia porque essa música à terra pertencia, se é que que queiramos estacionar nas últimas palavras do livro de Saramago.

Como também não sabemos se queremos rir ou chorar.

Legenda: Domenico Scarlatti

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