«Luiz Pacheco sofria
de compulsão epistolar.»
Sou um velho apreciador de correspondência entre
escritores.
Acresce que em tempos
idos, enquanto subia/descia o Chiado, fiz parte daqueles a quem o Pacheco
esticava um livreco e dizia: «Dá cá vintes!»
Mais tarde entrei na
longa lista de assinantes da Contraponto para bebeficiar do envio das edições
de livros que o Pacheco fazia e que não chegavam às livrarias.
Se tiverem paciência para isso, vejam nas etiquetas deste blogue: «Luiz Pacheco» e «Luiz Pacheco Editor», as minhas aventuras com a pachecal figura.
Num velho artigo no
suplemento Ipsilon do Público, Luís Miguel Queirós conta quem é Laureano Barros:
Quem frequentou os velhos alfarrabistas do
Porto, alguns ainda em actividade, sabe que se referiam sempre a Laureano
Barros com um respeito muito próximo da veneração. E não apenas por ser um
proveitoso cliente, mas porque lhe reconheciam um vastíssimo saber na sua
própria área de especialidade, consultando-o a pretexto de dúvidas
bibliográficas, ou pedindo-lhe até que lhes recomendasse o preço adequado a
pagar por qualquer raridade que lhes era proposta. E admiravam-lhe também essa
intransigente rectidão moral que, logo aos 26 anos, em 1947, o lançou no
desemprego. Assistente de Ruy Luís Gomes, na Faculdade de Ciências da Universidade
do Porto, protestou contra a prisão de uma aluna pela PIDE, o que bastou para
ser impedido de leccionar no ensino público. Viveu os 20 anos seguintes a dar
explicações, com alguma contribuição paterna a arredondar os proventos, já
então maioritariamente investidos na aquisição de livros.
A sua biblioteca,
leiloada após a sua morte pela Livraria Manuel Ferreira, era tão extensa e tão
valiosa que foi preciso organizar um leilão em três partes, com meses de
intervalo entre elas. Laureano Barros era um coleccionador exaustivo de
Pessoa ou Sá-Carneiro, mas também, por exemplo, de Eugénio de Andrade,
Luiz Pacheco ou Herberto Helder. E este seu particular interesse pela
literatura portuguesa do século XX convivia com outras predilecções, entre as
quais se contava a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, da qual conseguiu
reunir todas as dez primeiras edições.
É claro que é preciso
algum dinheiro para construir uma biblioteca deste nível, e Laureano Barros
tinha até reputação de manter alguns hábitos não apenas dispendiosos, mas um
pouco excêntricos, como o de levar regularmente os trabalhadores da quinta a
almoçar ao reputado restaurante do Hotel do Elevador, no Bom Jesus de Braga.
Mas o coleccionador também teve períodos difíceis. Num dos mais interessantes
testemunhos recolhidos por Paulo Pinto no seu filme, o histórico livreiro da
Académica, Nuno Canavez, então ainda empregado do fundador da casa, Joaquim
Guedes da Silva, recorda que Laureano Barros recorreu a dada altura ao seu
patrão para vender a biblioteca que por essa altura já reunira. O livreiro
ainda tentou, em vão, emprestar-lhe dinheiro, mas acabou mesmo por lhe comprar
a colecção. Ou seja, a biblioteca que veio a ser leiloada era já a
segunda.»
Pena que «O Grilo na Varanda» não reúna a parte da
correspondência que Laureano Barros enviava a Luiz Pacheco «escritor até aos ossos» tal como o descreve
João Pedro George:
E, no entanto, apesar
das óbvias diferenças, a correspondência revela a consideração de Pacheco por
Laureano Barros, uma estima que se pressupõe mútua. “Pressupõe”, porque as
cartas aqui apresentadas são apenas as que Pacheco escreveu a Laureano; e nem
mesmo essas são todas as que haverá, como adverte JPG. As cartas que acabam de
ser editadas foram arrematadas no leilão portuense, e foi apenas a essas que
JPG teve acesso.
A aproximação entre
ambos deu-se pela bibliofilia de Laureano, que contactou Pacheco em busca de
espécimes bibliográficos da Contraponto e de Pacheco. Muita da correspondência
que se seguiu, ao longo de 35 anos, versaria, naturalmente, sobre edições
levadas a cabo por Luiz Pacheco. Mecenas tão discreto quanto fiável, Laureano
financia empreitadas editoriais e salva bastas vezes Pacheco dos seus
infindáveis padecimentos de saúde, da falta de fundos e de todo um sortido
crescente de tribulações: com a justiça, com credores, com a vida que lhe ia
acontecendo.»
Legenda: contra capa de O Grilo Falante
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