Não
é bem falta de assunto, também não tenho grandes prazeres em falar de António
Lobo Antunes, mas no último texto em que abordei Lobo Antunes, penso que ficou
qualquer coisa por dizer, se bem que agora não esteja a ver o quê.
Adiante.
Para voltar a dizer que não sei quem é o autor desse
crime-de-lesa-pátria que nos impede de ter as crónicas do António Lobo Antunes
publicadas em livro.
Acredito na possibilidade única do mau feitio do autor.
Quando começou a fazer parte da Colecção Pléiade., disse
aos jornalistas que sonhara com este prémio desde a adolescência, assim como um qualquer jogador de futebol quando entra
num dos clubes grandes.
«É o maior reconhecimento que se pode ter enquanto
escritor, muito maior do que o Nobel.», acrescentou.
Tirando as crónicas, Lobo Antunes deixou de me
interessar.
Mas sei que tem
alguns pedaços de prosa bem interessantes, principalmente nos primeiros livros
que publicou e que eu balizo até à Exortação dos Crocodilos
Mas recordo o
início de Os Cus de Judas, um verdadeiro achado.
«Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do
ringue de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a
deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer,
rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam
seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos
aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fins de
rebuçado na concha da língua.»
No entanto, Lobo
Antunes também tem atitudes de clareza e decência e em que realmente se porta
como um ser humano, longe dos dias, quase sempre, em que é rancoroso, arrogante, odioso, ciumento
por tão ter alcançado a aura de José Saramago, com quem nada aprendeu.
Pego no 2º
volume das suas crónicas e releio a que dedicou ao livreiro e escritor José
Antunes Ribeiro. E só pelo José Antunes Ribeiro, pelo que foi, e é, justifica o ter tra
Copio:
«Há pessoas que gostam de livros. Há pessoas que
vendem livros. Há pessoas que ditam livros. Conheço uma única pessoa que, por
amor deles, os vende, os edita, os coleciona, os lê e, coisa ainda mais
incomum, não sendo rico os oferece àqueles que considera partilharem da sua
paixão; chama-se José Ribeiro, José Antunes Ribeiro e tem a inocência generosa
de um menino por baixo dos caracóis grisalhos, do sorriso largo, dos óculos
quase tão transparentes como os olhos, do dedinho minucioso a inventariar
lombadas. Fez a Assírio & Alvim, fez a Ulmeiro e tirando os momentos em que
surge por acaso à superfície da terra, alegre de uma timidez enternecida,
habita uma cavezinha de Benfica, três ou quatro compartimentos pequenos
semelhantes a corredores, a copas, a casulos, a nichozitos de abelha onde o seu
corpo grande se move numa agilidade insuspeitada entre páginas e páginas
impressas, mostrando, procurando, dando
- Tens isto?
- Conheces?
- Já leste»
no orgulho humilde, fraternal, de que a sua amizade limpidamente
feita.»
Legenda: Aqui era a editora, o alfarrabista, a Livraria Ulmeiro na Avenida do Uruguai em Benfica.
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