domingo, 26 de junho de 2022

OLHAR AS CAPAS



Homenagem ao Caracol e Outras Cerimónias

SAM
Capa:Vitorino Martins

Numar Edições, Lisboa 1981

Deveria ter uns 60 anos de idade. O rosto magro, desenhado com vigor, o olhar macio, o cabelo grisalho, descuidado. Levemente curvado, caminhava sem pressa dentro de um comprido casaco cinzento usado de muitos anos. Subiu a escadaria e entrou no amplo e luminoso «hall» cheio de gente. À sua frente espreguiçava-se um longo balcão onde se alinhavam os «guichets» numerados e os cotovelos das pessoas que esperavam a vez de serem atendidos. Dirigiu-se ao «guichet» mais próximo: - Para recomeçar a vida, se faz favor…?

- «Guichet» número um  - foi a resposta do funcionário.

Colocou-se na bicha e aguardou. Algum tempo depois, atingiu o balcão. Baixou o tronco e a cabeça e disse ao funcionário que, do outro lado, da legalidade, se prontificou para o ouvir: - Queria recomeçar a vida.

O homem estendeu-lhe alguns impressos e uma pequena brochura, enquanto, displicente, ia explicando com a voz arrastada:

- Terá de preencher estes impressos. Deve justificar os motivos. É essencial. Este papel é para as testemunhas. Só gente importante, claro. Sem testemunhas, nem vale a pena cá voltar. Será bom que reconheça os seus direitos e deveres. Está tudo neste livrinho. Quando voltar com isso preenchido dirige-se ao «guichet» número dois. Depois espera uma primeira decisão, que lhe será comunicada no prazo máximo de seis meses. Boa tarde.

1 comentário:

Seve disse...

E assim vou descobrindo livros (quiçá pérolas) que nunca tinha visto e que desconhecia total e absolutamente.
Obrigado Sammy e boa semana