Homenagem ao Caracol e Outras Cerimónias
SAM
Capa:Vitorino Martins
Numar Edições, Lisboa 1981
Deveria ter uns 60 anos de idade. O rosto magro, desenhado com vigor, o olhar
macio, o cabelo grisalho, descuidado. Levemente curvado, caminhava sem pressa
dentro de um comprido casaco cinzento usado de muitos anos. Subiu a escadaria e
entrou no amplo e luminoso «hall» cheio de gente. À sua frente espreguiçava-se
um longo balcão onde se alinhavam os «guichets» numerados e os cotovelos das
pessoas que esperavam a vez de serem atendidos. Dirigiu-se ao «guichet» mais
próximo: - Para recomeçar a vida, se faz favor…?
- «Guichet» número
um - foi a resposta do funcionário.
Colocou-se na
bicha e aguardou. Algum tempo depois, atingiu o balcão. Baixou o tronco e a
cabeça e disse ao funcionário que, do outro lado, da legalidade, se prontificou
para o ouvir: - Queria recomeçar a vida.
O homem
estendeu-lhe alguns impressos e uma pequena brochura, enquanto, displicente, ia
explicando com a voz arrastada:
- Terá de
preencher estes impressos. Deve justificar os motivos. É essencial. Este papel
é para as testemunhas. Só gente importante, claro. Sem testemunhas, nem vale a
pena cá voltar. Será bom que reconheça os seus direitos e deveres. Está tudo
neste livrinho. Quando voltar com isso preenchido dirige-se ao «guichet» número
dois. Depois espera uma primeira decisão, que lhe será comunicada no prazo
máximo de seis meses. Boa tarde.
1 comentário:
E assim vou descobrindo livros (quiçá pérolas) que nunca tinha visto e que desconhecia total e absolutamente.
Obrigado Sammy e boa semana
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