Brecht tem um poema célebre sobre os
desconhecidos da História: "(...) O jovem Alexandre conquistou a
Índia./Ele sozinho?/César bateu os gauleses./Não tinha pelo menos um cozinheiro
consigo?..." E assim por diante. O cantor Otis Redding gravou The Dock of the
Bay, a 7 de Dezembro de 1967. Deixou a fita gravada e partiu em digressão. Três
dias depois, morreu num acidente. The Dock of the Bay: um homem, sentado num
pontão, deixa o tempo passar olhando o Pacífico (Monterey e S. Francisco
disputam, há décadas, a honra da inspiração) - uma voz rouca, uma viola, uma
batida de soul, uma das mais belas canções de sempre. A voz de Otis Redding
canta durante dois minutos e 17 segundos, mas a canção prolonga-se por mais 20
segundos, em assobio. O mais famoso assobio da história da música julgou-se
sempre que era de Otis. Ontem, o jornal inglês The Independent, no obituário de
Sam Taylor, de 70 anos, disse que o assobio era deste. Sam Taylor teve vida
própria, bom músico de blues e autor de canções que até Elvis cantou. Agora,
associado a uma obra-prima, mas dele só por aproximação, passou a ser igual a
um dos desconhecidos que fizeram a Grande Muralha da China.
Ferreira
Fernandes, crónica publicada no Diário de Notícias de 17 de
Fevereiro de 2009.
Sem comentários:
Enviar um comentário