A minha mãe, que começou a fumar aos 15
anos, deixou aos 85, dizendo, com toda a cara de pau, que achava que o tabaco
lhe podia fazer mal... Porém, se largou esse vício, aos 88 continua a ter o da leitura;
e, porque acha que lhe vêm parar às mãos livros cada vez piores, eu tento
alimentar a sua fome de literatura publicando outros. E, mesmo que agora baste
comprar um curso para se chegar a ministro, mesmo que os pobres estejam a
voltar às ruas de um Portugal cada vez mais cinzento, mesmo que os nossos
jovens sonhem com cartas de chamada do Rio de Janeiro e de Luanda para poderem
trabalhar, mesmo que os jornalistas sejam dispensados quando afrontam o poder e
esse poder queira arrancar definitivamente deste país todos os cravos, essa
miúda que franzia os olhos ao clarão do flash, por muito que lhe custe,
enfrenta as luzes desta sala e promete que, enquanto a deixarem, há-de cumprir
os seus deveres para coma Pátria: ler, escrever e dizer não.
Mariado Rosário Pedreira, final da intervenção que fez no Corrente d’ Escritas
deste ano.
O
texto pode ser lido na íntegra no número de Março de Blimunda.
Legenda: pintura de Henri Matisse.
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