Vejamos também se é possível tirar daqui uma lição de
técnica.
A lição habitual – vulgar, mas ainda não apreendida. É
supremamente voluptuosos abandonarmo-nos à sinceridade, aniquilarmo-nos em algo
de absoluto, ignorar tudo o resto; mas, precisamente porque é voluptuoso, é
preciso pôr-lhe termo. Se há alguma coisa que já deveria ser clara para mim, é
esta: todos os erros que cometi tiveram origem no abandono ao absoluto, ao
ignoto, ao inconsistente. Ainda não compreendi o trágico da existência, ainda
não me compenetrei da sua realidade. E, no entanto, é evidente: é preciso vencer
o abandono voluptuoso, deixar de considerar os estados de alma como fins em si.
Para um poeta, é difícil. Ou muito fácil. Um poeta
compraz-se em mergulhar num estado de alma e em desfrutá-lo – eis a fuga ao
trágico. Mas um poeta não deveria esquecer que, para ele, um estado de alma
ainda nada é; o que conta é a poesia futura. Este esforço de frieza utilitária
é o seu trágico.
Que se deve viver tragicamente e não voluptuosamente,
é demonstrado pelo que sofri até agora. Ou antes, pelo que inutilmente sofri.
Abriu-me os olhos uma nova leitura das minhas poesias de 1927. Encontrar,
naquela ingenuidade difusa e napolitana, os mesmos pensamentos e as mesmas
palavras do mês passado, aterrou-me. Passaram nove anos, e ainda respondo tão
infantilmente à vida? E aquela virilidade, que parecia coisa duramente
conquistada nos anos de trabalho, era assim tão inconsciente?
A poesia é menos culpada desta insuficiência do que qualquer
outra coisa. A poesia ensinou-me, pelo menos, a dominar-me, a recolher-me, a
ver claro: a poesia serviu-me, no
sentido mais prático do termo. A culpa é do sonhar-acordado, coisa muito
diferente e inimiga da boa arte. A culpa é da minha necessidade de evitar as
responsabilidades, de sentir sem pagar.
Cesare Pavese
em Ofício de Viver
Legenda: não foi
possível identificar o autor origem da fotografia.
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