A 23 de Dezembro
de 1961, Mário-Henrique escreveu uma carta - «à noite, como sempre», desde
S. Domingos, a Isabel a «doce Maruska, o amor querido», e em que chega a interorizarque qualquer coisa acontecerá, «voltar a estar vivo e a acreditar
na manhã e nas estrelas».
A carta é longa,
a felicidade fê-lo «andar toda a manhã a berrar desafinadamente velhas
canções russas, certamente com grande ofensa dos vizinhos».
Mas terá
existido um telefonema de Isabel.
Por certo, uma qualquer ponta de arrependimento, e podemos ler em final de página:
Por certo, uma qualquer ponta de arrependimento, e podemos ler em final de página:
Querida
O teu telefonema desta manhã tirou um pouco da alegria
desta carta, mas ela já estava escrita e assim vai.
Já em Janeiro do
novo ano, Mário volta, desesperadamente, à escrita, sem indicação de onde escreve:
Ouve, Isabel, tenho pensado, pensado muito nestes dias
de actividade trágica (a palavra é verdadeira, caríssima) e visto que tenho que
ser lógico e honesto comigo mesmo, verifiquei que não pode realizar-se connosco
aquilo que eu, no meu desejo de ter direito a um pouco de felicidade, pensei
que seria verdade. Se não vê: não podes, nunca poderás suportar um homem como
eu. Se pudesses, já o tinhas decidido firmemente durante estes três ou quatro
meses em que nos conhecemos. Isto é verdade e tu sabe-lo. Sabes isto, assim
como sabes que a minha companheira terá de ter a coragem que teve a Dietlinde:
abandonar tudo para seguir o homem que ama. Mas, minha cara, sê honesta contigo
mesma, em ti não há amor suficiente para me seguir. Não é uma crítica, querida
Maruska do sorriso bonito, é um facto que eu verifiquei com o meu imundo
espírito dialéctico, Isabel, eu não partilho nada com ninguém; dou e quero ter.
De outra maneira, não. Sou talvez aquilo a que se chama um lobo solitário e,
para esses animais amargos e refilões, raramente aparece a loba que os quer
seguir, Há que lutar contra toda a lcateia, menina bonita, tanto o lobo como a
loba, e isso é duro. Quanto ao lobo, geralmente é animal já pelado e cheio de
cicatrizes, mais dentada menos dentada, tanto faz. Mas a loba, essa terá uma
vida de inferno – e amor violento – que não é fácil de aceitar. E aqui tens tu
mais uma história que bem poderia ser do Jack London.
Mário-Henrique Leiria em
Depoimentos Escritos
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