Cresci rodeado
de livros.
Uma sorte, um
privilégio, diga-se. Foi assim que tudo começou.
Há os que não
têm nem essa sorte, nem esse privilégio. Os que têm de procurar são as pessoas
que me merecem admiração, as pessoas de quem gosto, enquanto que os que têm
livros à disposição, entendem que ler é uma grande maçada, ignoro-os,
esqueço-me que existem, se bem que os oiça bolsar que os livros estão
empoeirados, as canecas de cerveja ensinam melhor, a cerveja dá prazer, os
livros apenas aborrecimento.
Havia o hábito
de, nas prateleiras mais altas, colocar os livros que se convencionava não
serem lidos em determinadas idades.
Lá em casa não
havia essa regra. Os livros, todos, eram para serem lidos.
Juntamente com
os Salgari, os Walter Scots, os Júlio Verne, ter lido o Eça de Queiroz aos
13/14 anos foi uma aventura inesquecível. Naturalmente que, mais tarde, ao Eça
tive que voltar, e não é por já tanto o ter lido e relido, que alguma vez
deixarei de lhe bater à porta.
Um livro de capa
preta tinha o título de Dez Dias Que Abalaram o Mundo.
Tratava-se da
edição brasileira do livro de John Reed, uma edição popular, publicada em 1945
pela Editorial Calvino Lda do Rio de Janeiro.
O Mundo, alguma
vez mudara? E em dez dias? Como teria sido?
Nada como ir ler
para contar como foi.
No prefácio
desta edição a que Egon Erwin Kish dá o nome John Reed, o jornalistas das
barricadas, pode ler-se logo nas primeiras linhas:
«Combateu nas
barricadas. Sua arma era o lápis, como a arma do ferreiro, lutando a seu lado,
talvez fosse o martelo.
Mesmo examinada
do ponto de vista jornalístico, a actividade de John Reed foi admirável. Os
acontecimentos de uma semana, que seus colegas consideraram simples lutas
episódicas entre os partidos russos ou incidentes pouco importantes da guerra,
para John Reed foram dias que abalaram o mundo.»
Na abertura do
prefácio, datado de Nova Iorque 1 de Janeiro de 1919, John Reed escreve:
«Este livro é um naco de história intensiva – tal como
eu a vi. Nada mais pretende ser do que uma narrativa pormenorizada da revolução
de Novembro, quando os bolcheviques, à frente dos operários e soldados, se
apoderar.»
E a fechar:
«Na luta, as
minhas simpatias não ficaram neutrais. Mas, ao narrar a história daqueles dias
grandiosos, tentei ver os acontecimentos com os olhos de um repórter
consciencioso, interessado em registar a verdade.»
Quando aos 17
anos, mais coisa menos coisa, em plena ditadura de Salazar, se pega num livro
como Dez Dias Que Abalaram o Mundo só duas coisas poderiam suceder:
colocar de imediato o livro de lado, lê-lo com o encantamento de uma aventura.
Sim, o livro é
uma apaixonante reportagem, um livro honesto porque o autor declara de que lado
está.
Penso que a
vontade, a vontade e as ideias, têm um importante papel nos tempos da
adolescência.
Caminhos que nos
levam a tomar partido, não ficar naquela margem de não ser coisa nenhuma, nem
direita, nem esquerda. Ficar no meio, com uma ténue ideia, a possibilidade de
ver os dois lados.
Há uns anos,
numa entrevista, António Mega Ferreira que, necessariamente, terá lido John
Reed, dizia que o centro é uma cobardia, é uma falta de coragem, é para onde
convergem, direita ou esquerda, quando não têm coragem.
Graham Greene,
em O Americano Tranquilo vai mais longe.:
Mais tarde ou mais cedo temos de tomar partido, de
forma a parecermos humanos.
É comum ouvir
dizer que se chegou a determinado olhar sem ter passado por manifestos, pelos
mais variados ismos.
Porque também se
pode chegar a esse olhar, lendo, Albert Camus, Elio Vittorini, Roger Vailland,
Jorge Amado Roger Martin du Gard, Hemingway, Soeiro Pereira Gomes, uma lista de
nomes de todo interminável.
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