terça-feira, 7 de novembro de 2017

DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO


Cresci rodeado de livros.

Uma sorte, um privilégio, diga-se. Foi assim que tudo começou.

Há os que não têm nem essa sorte, nem esse privilégio. Os que têm de procurar são as pessoas que me merecem admiração, as pessoas de quem gosto, enquanto que os que têm livros à disposição, entendem que ler é uma grande maçada, ignoro-os, esqueço-me que existem, se bem que os oiça bolsar que os livros estão empoeirados, as canecas de cerveja ensinam melhor, a cerveja dá prazer, os livros apenas aborrecimento.

Havia o hábito de, nas prateleiras mais altas, colocar os livros que se convencionava não serem lidos em determinadas idades.

Lá em casa não havia essa regra. Os livros, todos, eram para serem lidos.

Juntamente com os Salgari, os Walter Scots, os Júlio Verne, ter lido o Eça de Queiroz aos 13/14 anos foi uma aventura inesquecível. Naturalmente que, mais tarde, ao Eça tive que voltar, e não é por já tanto o ter lido e relido, que alguma vez deixarei de lhe bater à porta.

Um livro de capa preta tinha o título de Dez Dias Que Abalaram o Mundo.

Tratava-se da edição brasileira do livro de John Reed, uma edição popular, publicada em 1945 pela Editorial Calvino Lda do Rio de Janeiro.

O Mundo, alguma vez mudara? E em dez dias? Como teria sido?

Nada como ir ler para contar como foi.

No prefácio desta edição a que Egon Erwin Kish dá o nome John Reed, o jornalistas das barricadas, pode ler-se logo nas primeiras linhas:

«Combateu nas barricadas. Sua arma era o lápis, como a arma do ferreiro, lutando a seu lado, talvez fosse o martelo.
Mesmo examinada do ponto de vista jornalístico, a actividade de John Reed foi admirável. Os acontecimentos de uma semana, que seus colegas consideraram simples lutas episódicas entre os partidos russos ou incidentes pouco importantes da guerra, para John Reed foram dias que abalaram o mundo.»

Na abertura do prefácio, datado de Nova Iorque 1 de Janeiro de 1919, John Reed escreve:

«Este livro é um naco de história intensiva – tal como eu a vi. Nada mais pretende ser do que uma narrativa pormenorizada da revolução de Novembro, quando os bolcheviques, à frente dos operários e soldados, se apoderar.»

E a fechar:

«Na luta, as minhas simpatias não ficaram neutrais. Mas, ao narrar a história daqueles dias grandiosos, tentei ver os acontecimentos com os olhos de um repórter consciencioso, interessado em registar a verdade.»

Quando aos 17 anos, mais coisa menos coisa, em plena ditadura de Salazar, se pega num livro como Dez Dias Que Abalaram o Mundo só duas coisas poderiam suceder: colocar de imediato o livro de lado, lê-lo com o encantamento de uma aventura.

Sim, o livro é uma apaixonante reportagem, um livro honesto porque o autor declara de que lado está.

Penso que a vontade, a vontade e as ideias, têm um importante papel nos tempos da adolescência.

Caminhos que nos levam a tomar partido, não ficar naquela margem de não ser coisa nenhuma, nem direita, nem esquerda. Ficar no meio, com uma ténue ideia, a possibilidade de ver os dois lados.

Há uns anos, numa entrevista, António Mega Ferreira que, necessariamente, terá lido John Reed, dizia que o centro é uma cobardia, é uma falta de coragem, é para onde convergem, direita ou esquerda, quando não têm coragem.

Graham Greene, em O Americano Tranquilo vai mais longe.:

Mais tarde ou mais cedo temos de tomar partido, de forma a parecermos humanos.

É comum ouvir dizer que se chegou a determinado olhar sem ter passado por manifestos, pelos mais variados ismos.

Porque também se pode chegar a esse olhar, lendo, Albert Camus, Elio Vittorini, Roger Vailland, Jorge Amado Roger Martin du Gard, Hemingway, Soeiro Pereira Gomes, uma lista de nomes de todo interminável.


Em 1981, Warren Beaty realizou Reds um filme que retrata a vida do jornalista John Reed.

Sem comentários: