Continuam as
histórias, pós 25 de Abril, contadas por Rómulo de Carvalho aos seus tetranetos,
recordando as palavras que, na semana passada, aqui deixámos quando ele se
questionava como seria se os aprendizes da liberdade, em nome dessa mesma liberdade não a quisessem aprender:
Certo dia tomei um eléctrico. Sentei-me e vi num outro
banco um sujeito, um democrata, que puxou de um cigarro, o acendeu e se pôs a
saboreá-lo expelindo fumaças. Já nesse tempo era proibido fumar nos transportes
públicos, desde há muito. O revisor aproximou-se do homem e chamou-lhe a
atenção para o caso: olhe que aqui não se pode fumar. O passageiro teve um
sobressalto, fixou o revisor com o sobrolho carregado, e disparou: O quê?!....
O fascismo ainda não acabou?!
As histórias decorridas nos transportes públicos
seriam muitas e delas vos contarei ainda
algumas outras de que fui testemunha, e até participante. Em outro dia descendo
a Calçada da Estrela num eléctrico dos Prazeres, preparei-me para sair na
paragem próxima do largo de S. Bento. Ao pretender sair do carro vi um homem,
com aspecto de operário, postado junto da parta de saída, e nessa posição,
dificultando a passagem. Emagreci o mais possível, sempre com os cuidados que
tenho para não incomodar os outros, e saí, roçando um pouco a barriga do homem.
“És gordo, pá!” disse-me o democrata. E eu, respeitando a sua liberdade de
expressão, não respondi nada e fui à vida.
(…)
Deixemos os transportes, meus queridos tetranetos, e
vamos a pé por aí fora. Vamos até à baixa lisboeta com a máquina fotográfica
suspensa da mão. Ia eu a caminhar na Rua
Augusta, e que vejo? Vede a imagem que acompanha esta página. Aí vereis uma
carroça, carregada de couves, de nabos e de nabiças, puxada por um burro. O
homenzinho que a conduzia, aproveitando a proclamada liberdade, veio até à
Baixa vender as suas hortaliças, a par com automóveis que passavam. E, como se vê na imagem, logo lhe apareceram fregueses. É
uma imagem da Revolução.
Em Memórias
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