Conversava com uns
amigos preocupados com o filho que anda agora pelos 17 anos. São ambos
professores, os corredores de casa parecem uma biblioteca, mas o filho não lê
um livro. Às vezes, dão por si a olhá-lo como se olha um estranho cuja língua e
hábitos se ignoram. Não sabem como se formou o muro cultural que os separa.
Veem-no horas e horas retido no ecrã do telemóvel, obsidiado por aquele
retângulo brilhante, aos olhos deles fazendo nada. Lamentam o que lhes parece
ser uma dependência, mas sentem-se impotentes. Quando tentam explicar-lhe que o
ecrã é uma gaiola de vidro onde se deixa aprisionar, o filho levanta a cabeça,
olha-os também sem entendê-los, mas sem intenção de substituir o que o ocupa
por um livro qualquer. A primeira coisa de que me recordei — e que lhes disse —
foi uma frase do escritor Gianni Rodari: “O verbo ler não suporta o
imperativo.” Ler é uma atividade indissociável da curiosidade e do desejo. É
preciso aprender a senti-la como uma necessidade interior, um gosto, uma
alegria que pode até ser frívola e profunda ao mesmo tempo, um encontro a que
nos dispomos sem porquê. Não basta uma ordem ou um conselho repetido. Falta uma
iniciação que seja digna desse nome. E, a esse propósito, lembrei-lhes o que
dizia Rubem Alves: que era pela cozinha que deveríamos sempre entrar numa sala
de aulas, pois ensinar é a arte de despertar a fome em alguém.
José Tolentino Mendonça
Legenda: pintura de Vanessa Bell
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