sexta-feira, 24 de novembro de 2017

COMO SE TIVESSE VINDO DE OUTRO PLANETA



A «rainha dos cantores folk» teria que ter sido a Joan Baez. Joan nasceu no mesmo ano que eu, e os nossos futuros iriam estar ligados, mas naquela altura pensar nisso teria sido disparatado. Ela tinha lançado um disco na editora Vanguard, chamado Joan Baez, e eu tinha-a visto na TV. Aparecera num programa de música folk transmitido para todo o país pela CBS em Nova Iorque. Havia outros intérpretes no programa, incluindo Cisco Houston. Josh White, Lightnin’Hoptkins. Joan cantou sozinha umas baladas e depois sentou-se lado a aldo com o Lightnin’ e cantou umas canções com ele. Não conseguia deixar de olhar para ela, não queria sequer pestanejar. Ela tinha um ar perverso – cabelo preto brilhante, comprido até às graciosas ancas, pestanas longas, parcialmente viradas para cima, não era propriamente uma daquelas bonecas tipo Raggedy Ann. Só vê-la deixava-me louco. Como se isto não bastasse, havia ainda a sua voz, uma voz que afastava os maus espíritos. Era como se tivesse vindo de outro planeta.
Ela vendia muitos discos e era fácil perceber porquê. As cantoras de música folk eram intérpretes como Peggy Seeger, Jean Ritchie e Barbara Dane, que não faziam uma boa transição para o público moderno. Joan não era nada como elas. Não havia ninguém como ela. Tudo isto se passou uns anos antes de Judy Collins e Joni Mitchell entrarem em cena. Eu gostava das cantoras mais velhas – Aunt Molly Jackson e Jeanne Robinson – mas elas não tinham a qualidade penetrante da Joan. Andava a ouvir frequentemente uma cantoras de blues, como Memphis Minnie e Ma Rainey, e Joan era de certa forma, mais parecida com elas. Não havia nada de juvenil nelas, assim como Joan também não tinha nada de juvenil. Ao mesmo tempo escocesa e mexicana, parecia um ícone religioso, alguém por quem nos sacrificaríamos, e cantava com uma voz directa a Deus… era também instrumentista excepcional.

Bob Dylan em Crónicas


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