Carta, longa
carta, datada de 14 de Janeiro de 1962, sem indicação do local onde foi
escrita.
Mário-Henrique está algures, «há duas noites que não me deito, tentando colaborar objectivamente numa melhor organização desta “brincadeira” que vai custando o pêlo a alguns. Trabalho surdo. Aliás, como te disse, sou uma máquina eficiente de pensar e organizar quando é preciso, e mais nada.»
Diz ainda à
querida Maruska: «… na 3ª feira passada foram à minha procura a casa de
minha mãe. Sabes bem, claro. Assim estou à espera de ver o que acontece, ou que
não acontece. Digo-te isto, não para te assustar, mas para me justificar do meu
desaparecimento, que tem uma das razões nesse facto, Mas tudo passa, querida,
nestas anedotas nacionais da política…»
O coração de
Isabel balança, debatendo-se entre Terence, um irlandês-amor-antigo e a mansa
loucura de Mário-Henrique:
…sabes que dou toda a liberdade às pessoas: podes ter
os montes de amigos que quiseres, podes fazer toda a tua vida com inteira
liberdade, mas o que não podes, segundo a minha ética particular e talvez
antiquada, é quereres casar comigo e confessares que gostas também de outro
venerável cavalheiro e que não sabes como te hás-de libertar disso. Não é só um
amigo, é bastante mais do que isso e tu sabe-lo. Que dirias tu se eu declarasse
com ar de problema insolúvel, que ainda aceitava a minha mulher se ela voltasse a aparecer aqui,
ou que tinha aí uma senhora de quem não conseguia libertar-me? Claro, e tinhas
toda a razão, mandavas-me esperar pela querida esposa ou ir ter com a tal
senhora… e estavas no teu direito de pessoa que não queria servir para os
intervalos. Assim é comigo, querida.
Sabes que quero, que desejo profundamente casar
contigo e ter-te para sempre ao meu lado, colaborando comigo em tudo desde a
vida diária ao amor ( que também é vida diária), mas também sabes – ou deves
saber – que sou um animal danadamente consciente dos deveres e dos direitos que
entendo têm que ser os meus adentro da minha forma sócio-política de pensar.
Estimada legista, dou liberdade e peço obrigações aos outros, tal como quero
que façam comigo.
Cartas na mesa e
vai-se percebendo que, aos poucos, a querida e sorridente Maruska, se inclinará
para o tal irlandês.
Ao
Mário-Henrique restará a amargura e suspeitar que «actualmente ninguém pode
amar-me.»
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