Não se fica o mesmo, quando, aos quinze anos, se lê um livro como O Velho e o Mar de Ernest Hemingway. (1)
Há coisas assim: pequenas, simples e maravilhosas.
Um livro que assim começa só pode ser um grande livro:
Era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo, e saíra havia já por oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe.
Uma alegoria sobre a capacidade do homem de se superar a si próprio e vencer a natureza em busca da sobrevivência.
O homem é Santiago, um velho pescador cubano a quem a sorte piscatória há muito não sorri, mas que acaba por pescar um espadarte gigante.
Tem, então, tem de o puxar agarrado ao barco, até chegar à praia.
A praia é ainda muito longe, e quando lá chega, os tubarões apenas tinham deixado a espinha ao grande espadarte.
A capa do livro, que aqui se apresenta, não é a do livro que li aos quinze anos.
Essa era da valiosíssima Colecção Miniatura que a Livros do Brasil, publicaram durante anos, oferecendo aos leitores, verdadeiras pérolas da literatura mundial.
O livro pertencia à biblioteca do meu pai, e faz parte daquele extenso rol de livros desencaminhados, emprestados, ou coisa parecida, que foram até um qualquer lugar dos mares do sul e não mais voltaram.
Esta é já uma edição recente, mas segue a tradução de Jorge de Sena, a capa do pintor Bernardo Marques.
A história resulta das pescarias, ao largo de Cuba, de Enest Hemingway e do homem que o acompanhava. Um livro pequeno, bem ao estilo de Hemigway, que entendia que uma palavra a mais pode dar cabo de uma história.
Numa carta, enviada de Havana para o seu editor, datada de 4 de Março de 1952, revelava que era o livro mais bem escrito que jamais conseguira.
Sempre pensava no mar como “La Mar”, que é o que o povo lhe chama em espanhol, quando o ama. Às vezes, aqueles que gostam do mar dizem mal dele, mas sempre o dizem como se ele fosse mulher. Alguns dos pescadores mais novos, os que usam bóias por flutuadores e têm barcos a motor, comprados quando os fígados de tubarão davam muito dinheiro, dizem “el mar”, que é masculino. Falavam dele como de um antagonista, um lugar, até um inimigo. Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres, pensava ele.
Tu estás a matar-me, peixe, pensou o velho. Mas tens todo o direito. Nunca vi uma coisa maior, ou mais bela, ou mais serena ou mais nobre do que tu, meu irmão. Vem e mata-me. Não quero saber qual de nós mata (...) Mas o homem não foi feito para a derrota, disse. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado.
Ernest Hemingway, um americano grande que gostava de mulheres, de gatos, corridas de touros, combates de galos, apaixonado por caça e pesca, bebedor inveterado fosse do que fosse, mas especialmente rum cubano.
Na sua solidão, a bebida e as mulheres, por vezes, ajudaram-no, mas também lhe trouxeram mágoas, principalmente as mulheres.
Ernest Hemingway terá um dia pensado que só lidando com a morte, os dias dramáticos poderiam ter um fim.
Na manhã de 2 Julho de 1961, um domingo, sentou-se no alpendre da sua casa de Ketchum, virou, uma das suas muitas caçadeiras para si, e disparou.
Seu pai fizera o mesmo, e Hemingway, ao longo da sua obra, não se cansou de escrever que todo o suicídio é uma cobardia, uma fuga à responsabilidade.
O mundo é um belo sítio pelo qual vale a pena lutar, e eu detesto ter que deixá-lo, deixou escrito em Porque Quem os Sinos Dobram
.
Deixou dito que toda a literatura norte-americana sai de um livro chamado Huckleberry Finn, principalmente as primeiras cem páginas.
Vossemecês não me conhecem se não leram um livro chamado “As Aventuras De Tom Sawyer”, mas isso não tem importância. O livro foi escrito pelo senhor Mark Twain que, de uma forma geral, não se afastou da verdade. Houve coisas que ele exagerou mas, repito, de uma forma geral, não se afastou da verdade. Isso, aliás, pouco importa. Nunca encontrei ninguém que não pregasse a sua peta, uma vez por outra, a não ser a tia Polly, ou a viúva, ou talvez a Mary. A tia Polly – a tia Polly é a tia do Tom -, Mary e a viúva Douglas, tudo o que há a dizer a respeito delas está escrito nesse livro – que é fundamentalmente um livro honesto; com alguns exageros, como já disse.
Em 1953 ganha o Prémio Pulitzer e, no ano seguinte, seria Prémio Nobel da Literatura.
O Velho e o Mar cai aqui, em O qu’é que vai no Piolho?, porque John Sturges, em 1958, fez uma adaptação do livro, que regista uma soberba interpretação de Spencer Tracy.
Vi o filme num cinema de reprisse, em Lisboa, também na televisão e, a última vez, em 1999, durante o ciclo que a Cinemateca organizou pelo centenário do nascimento de Hemingway.
Manuel Cintra Ferreira, na folha que acompanhou a exibição do filme, em 11 de Janeiro de 1999, considera que o livro é infilmável.
Mas não deixa de o considerar um filme singular. Sente-se ao longo de The Old Man and The Sea que estamos diante de um filme “falhado”, mas que consegue ter uma certa grandeza dentro do “fracasso”.
John Sturges limuta-se à função de “ilustrar” o argumento da melhor forma possível, mas sentem-se os espartilhos que o impedem de tentar algo mais pessoal: do excessivo “respeito pelo original e uma narrativa em que falta o que ele encena melhor: a acção resultando daí aí a excessiva e metódica fidelidade ao texto original com o realizador procurando ser simples “ilustrador” do texto de Hemingway.
Numa das cenas finais, no porto, dentro do bar, o espectador atento, pode descobrir Ernest Hemingway” himself.”
(1) O Velho e o Mar, Ernest Hemingway Tradução e prefácio de Jorge de Sena
Capa e ilustrações de Bernardo Marques.
Edição Livros do Brasil, Lisboa Abril 2002.
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