quinta-feira, 31 de maio de 2012

A EMPREGADA PORTUGUESA DO RESTAURANTE ITALIANO JUNTO A RUSSELL SQUARE

Já não espero dormir como dormia, vítima de sobressaltos,
ficar à chuva dois minutos que seja, certificando-me
de como fui ignorado ainda que a chuva seja
um dos poucos prazeres sem resíduo, como acordar de noite
e mobilar a insónia com ovos mexidos,
café, cigarros, poemas. Aconteceu há muitos
anos, estava na fila da com o sexo pendente
de vergonha e frio, o médico perguntou: “defeitos físicos?”
e eu só confessei ter miopia e astigmatismo. Agora
não tenho nenhuma relutância em deitar-me em camas estranhas,
mas prefiro dormir sozinho.

Ah! Verão tumultuoso, corpos em risco de desabar,
o trânsito frenético de comboios, miragens
- alguém lá dentro que evita olhar,
levanta-se do assento e quer saber quanto lhe falta,
“por favor dizia-me que horas são” (novo silêncio)
- Deus, relojoeiro magnífico!

- como se pode viver de boa mente numa cidade estranha,
a imprudência de estar à espera que alguém nos ouça,
que connosco lamente quartos húmidos e manhãs frias,
mas sem ter pena? Nunca será de mais louvar
os solavancos do autocarro, já que perdemos rumo e destino.

Pois estava previsto ser um acaso
e a geografia de  Abril claudica nas noites mais intensas,
um perfume que se liberta, uma granada de ternura perdida
na carruagem do Metro. Pode chover granizo, acordar
o cheiro tumultuosos da terra e depois de tropeçar na lista
dos pedidos, passar duas semanas em coma,
com janelas estreitas, folgas ao domingo, nostalgia dessa morrinha
que cai em Famalicão no Inverno, que as videiras bebem
e aduba o coração, um abandono que consola
ao dizer “gosto muito de ti”, no momento em que é certo
que já não voltaria.

José Alberto Oliveira em 366 Poemas Que Falam de Amor, Antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal Editores, Lisboa 2004.

Legenda: pintura de Edward Hopper.

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