quinta-feira, 31 de maio de 2012

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


A Porto Editora comprou a Assírio &Alvim.

Com disse António Lobo Antunes:

Estamos nas mãos dos grandes grupos editoriais para quem só o dinheiro e as vendas contam. Esta é a verdade. Olhem à vossa volta, se houver cinco livros bons na livraria já não é mau. Esta é a verdade.

Se bem que à frente da parte editorial esteja Manuel Alberto Valente, um homem experiente, que sabe e gosta de livros, a Porto Editora não deixa de ser um grande grupo que, primordialmente, tem o lucro como seu único horizonte.

Prometem respeitar integralmente o espirito da Assirio & Alvim, mas não passam das habituais palavras de circunstância.

Vem esta abertura a propósito de Frank O’Hara, poeta norte-americana que descobri através das campanhas de baixos preços que a editora fazia.

Desconfio que esses tempos não voltarão…


José Alberto Oliveira, que fez a tradução, escreve no prefácio:

Para concluir quero deixar escrito por extenso e em boa caligrafia que o percurso que me conduziu ao enorme prazer de ler e traduzir O’Hara teve o seu primeiro passo nos “longínquos” anos setenta, em que o “jornalismo do sucesso” talvez não fosse ainda o que é hoje e Joaquim Manuel Magalhãs podia em “A Capital” manter uma coluna, em beneficio da divulgação da poesia e de quem o queria ler.

Sim, apesar de tudo, como era diferente o jornalismo, a cultura em Portugal.

O poema de O’Hara que trago aqui ao Piolho chama-se Avé Maria:

Mães da América
                           deixem os vossos filhos ir ao cinema!
tirem-nos de casa sem eles saberem o que planeais
é certo que o ar livre é bom para o corpo
                                                                 mas quanto à alma
que cresce na escuridão, adornada por imagens prateadas
e quando envelhecerdes como tendes de envelhecer
                                                                                  não vos hão-de odiar
nem criticar nem hão-de saber
estarão nalgum país encantador
que viram pela primeira vez numa tarde de Sábado ou de gazeta

talvez até vos agradeçam
                                        pela primeira experiência sexual
que só custou um quarto de dólar
                                                     e não perturbou a paz do lar
saberão de onde vêm os rebuçados
                                                       e os sacos de pipocas gratuitos
tão gratuitos como sair antes de o filme acabar
com um estranho agradável cujo apartamento é no
                                                       Céu na Av. Terra
perto da Ponte Williamsburg
                                             ó mães tereis feito tão felizes
os putos porque se ninguém os apanhar no cinema
não aprenderão a diferença
                                           e se isso acontecer será puro gozo
e de qualquer forma ter-se-ão divertido a valer
em vez de vagabundearem no pátio
                                                         ou no quarto deles
                                                                                        odiando-vos
prematuramente pois que ainda não fizestes nada horrivelmente
maldoso
excepto mantê-los afastados das alegrias mais sombrias
                                                                           o que é imperdoável
portanto não me culpem se não seguirem este conselho
                                                                           e a família se desunir
e os vossos filhos ficarem velhos e cegos frente à televisão
                                                                                             vendo
filmes que não os deixastes ver quando eram novos

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