Joga-se amanhã, no Jamor, a final da Taça de Portugal, entre a Académica e o Sporting
Há 43 anos, no dia 22 de Junho de 1969, realizou-se a final entre o Benfica
e a Académica.
Uma final muito especial, uma final transcendente.
Os estudantes tinham iniciado, há largas semanas, luto académico em defesa de direitos, transformado, ao mesmo tempo, numa luta contra a ditadura, a guerra colonial.
Coimbra, nos primeiros dias de Junho desse ano, chegou a ser uma cidade sitiada pela PIDE, a Polícia e a GNR.
Quis a classe dos jogadores estudantis que a Académica conseguisse chegar à final da Taça, onde iriam defrontar o Benfica de Eusébio & Cª.
A chegada a Lisboa de camionetas e comboios, provenientes de Coimbra, encheu as primeiras páginas dos jornais e marcavam a vontade férrea de enfrentar o regime de Caetano.
À custa do futebol, a luta estudantil tomava uma outra dimensão e não podia deixar indiferente o resto do país.
Sou rapaz de um só clube.
Mas também o sou de uma só luta, sempre orientada pelos princípios de esquerda.
Assisti a esse jogo na bancada norte do estádio, da qual, nesta imagem, se vê um pormenor.
Por uma vez desejei que o Benfica perdesse uma taça.
A conquista da Taça pela Académica traria, necessariamente, um maior impacto, um impacto inimaginável, à luta dos estudantes, e por que não dizer: à luta do povo.
Naquela tarde quente de Junho, o regime abalava, face ao maior comício político de antes do 25 de Abril, tal como um dia escreveu o jornalista Carlos Pinhão.
Aquela era a taça que os estudantes e o povo não podiam perder.
E não perderam.
Os únicos derrotados situavam-se na tralha que defendia a ditadura de Tomás e Caetano.
De resto, o Regime não mais iria recuperar, e, de podre, cairia ao fim de mais ou menos cinco anos.
Celso Cruzeiro, advogado e antigo dirigente estudantil, publicou em 1989 um importante livro, onde se relata e comenta todos os acontecimentos daquele ano de brasa.
Detenho-me no capítulo onde a final da Taça é referida:
Durante o jogo, que não foi transmitido e ao qual Tomás não compareceu, milhares de comunicados voaram saídos de pontos estratégicos do estádio. Dezenas de dísticos, cartazes e faixas passearam, intervaladamente, nas bancadas. Palavras de ordem foram gritadas em coro e o Hino cantado solenemente, a plenos pulmões. Todos quantos se deslocaram ao Estádio Nacional nessa tarde heroica de 22 de Junho de 1969 ficaram a conhecer as razões pelas quais em Coimbra os estudantes denodadamente, numa luta tenaz e persistente, contra o obscurantismo fascista. E rapidamente compreenderam que não era de futebol o desafio maior que tinham na sua frente.
A vitória na Taça de Portugal era no entanto para nós muito importante, face ao contexto em que a luta decorria. É que, para além do mais, a concretizar-se, permitiria a invasão do cortejo e o cortejo de regresso a Coimbra, manifestações essas onde, aliada à alegria desportiva – que indubitavelmente se sentiria – se poderia largar consideravelmente o impacto de massas do movimento e o seu campo de adesão. Essa secreta intenção recebeu os favores dos deuses até cerca de um quarto de hora antes do fim do jogo, altura em que Manuel António colocou a Académica a vencer por 1-0. Mas logo de seguida Eusébio, com grande falta de perspicácia política, arrancou uma jogada sensacional e ofereceu o empate. Havia depois, já no prolongamento, de marcar outro golo e acabar de vez com a questão.
Não houve porém grande alegria por parte do povo de Lisboa na vitória do Benfica. Muitos deles teriam preferido sem dúvida a vitória da Académica. Porque, por um lado, Taças tinha já o Benfica muitas e por outro lado bem sabiam quão importante se tornava a vitória da Académica para o prosseguimento da luta na cidade do Mondego, com a qual todos os anti-fascistas portugueses se irmanavam.
(1) Coimbra, 1969 , Celso Cruzeiro, Edições Afrontamento, Porto 1989.
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