domingo, 13 de maio de 2012

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No Parque Eduardo VII, em Lisboa  a Feira do Livro encerra hoje  as suas portas.

Os tempos são de crise, os cêntimos contados para o dia-a-dia, talvez não permitam a aventura de comprar livros.

Hölderlin, citado por Hélia Correia:

Para que servem os poetas em tempos de indigência?

Talvez…

Se por acaso sobrar qualquer cêntimo, dêem um salto à Feira, aproveitem o desconto, e levem para casa O Teu Rosto Será o Último de João Ricardo Pedro que, recentemente venceu o prémio literário atribuído pela Leya.

Talvez encontrem nele algo que lhes permita dar a volta à pergunta de Hölderlin.

E como isto anda tudo ligado chama-se para aqui o texto que, na apresentação do prémio, Manuel Alegre leu e a que chamou Uma vitória do Talento contra o desalento e a crise:

A presença do Senhor Primeiro Ministro nesta cerimónia vem realçar o significado do Prémio Leya, este ano atribuído ao escritor português João Ricardo Pedro, pelo seu romance “O Teu Rosto Será o Último”. Numa hora de crise, em que há uma visão redutora da vida e a própria linguagem está invadida pela economia, pela dívida e pelos números, apetece lembrar o que, em outro difícil contexto, disse José Régio: “Há mais mundos”. Sim, há mais mundos. Nomeadamente o grande mundo da língua portuguesa.
Creio que, para além da retórica, existe a compreensão de que a língua portuguesa, a terceira da Europa Ocidental mais falada no mundo, é a nossa principal riqueza e o nosso principal instrumento de afirmação como país. Não só no plano cultural, mas também no plano político, no plano económico e, sobretudo, parafraseando Miguel Torga, “como traço de união” entre povos e continentes.
Na era da globalização, em que há uma tendência para a uniformização cultural e até linguística, é um privilégio podermos falar e escrever nesta língua da “lusitana antiga liberdade”, que é também a língua em que, primeiro o Brasil e depois Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor proclamaram a sua independência e posteriormente escolheram como língua oficial. Língua de Camões, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Agostinho Neto, Pepetela, José Craveirinha, Mia Couto, Alda Espírito Santo, Arménio Vieira e Xanana Gusmão.
Nesta hora de crise e perplexidade no mundo, é preciso compreender que não é possível dizer-se como no passado se dizia: “em português nos desentendemos”. Não. Este é tempo de em português nos entendermos com todos os povos e estados que partilham os mesmos vocábulos e a música incomparável da mesma língua.
Creio que é este o significado que tem o Prémio Leya, cujo objectivo é revelar e divulgar novos autores que se exprimem na língua portuguesa.
Um prémio diferente, não só por ser o de mais alto valor pecuniário, mas pela sua própria natureza. Em primeiro lugar a composição do júri a que me honro de presidir e de que fazem parte escritores, poetas, críticos literários e professores universitários de países de língua oficial portuguesa: o escritor e crítico literário brasileiro José Castello, a Professora Doutora Rita Chaves da Universidade de São Paulo, o escritor Pepetela de Angola, o Professor Doutor Lourenço do Rosário Reitor da Universidade de Moçambique, o poeta, escritor e ensaísta Professor Doutor Nuno Júdice da Universidade Nova de Lisboa e o Professor Doutor José Carlos Seabra Pereira da Faculdade de Letras de Coimbra.
Mas sobretudo pelo facto de ao Prémio Leya concorrerem autores de todos os países de expressão portuguesa.
É além disso um concurso em que não há interferências. Ninguém sabe quem é quem. Os originais chegam sem rosto e sem nome, apenas com pseudónimo. Não é um prémio político nem de qualquer espécie de compadrio. Vence quem tem a maioria ou a unanimidade dos votos do júri, sem que os seus membros saibam em quem estão a votar. Confesso que há um momento de certa magia: aquele em que o representante da Leya, Dr. João Amaral, entrega ao presidente do júri o envelope que contém a identidade correspondente ao pseudónimo do vencedor. Já por três vezes vivi esse momento. Não esqueço a emoção dos que recebem a notícia do outro lado do telefone. Mas talvez nunca como quando comuniquei a João Ricardo Pedro que era ele o vencedor. “Agora é que me vai dar uma coisa” disse ele. Nunca como então o Prémio Leya teve tanto sentido e um tão profundo significado. Eu estava a telefonar a um jovem engenheiro desempregado, casado e pai de dois filhos, e que, no mesmo dia em que ficou sem trabalho, resolveu sentar-se ao computador para começar a escrever. Deu a volta ao destino e compôs um notável romance.
Foi uma vitória do talento contra o desalento e a crise e foi uma vitória da língua contra o silêncio e a adversidade. A história de Duarte, personagem principal do romance, é, ao fim e ao cabo, a de uma geração cujos pais foram à guerra, viveram o 25 de Abril, tiveram sonhos, assistiram à queda do muro, ao desmoronar de utopias e ao início de uma nova era de incerteza e insegurança. É o país recente e de agora que perpassa nas páginas deste belíssimo romance. Composição de histórias autónomas, que se traçam em fios secretos, “O Teu Rosto Será o Último” é um romance apoiado em imagens fortes que nos dá um perturbador painel do presente português. Nenhum leitor ficará indiferente à sua linguagem marcada pelo lirismo e pela violência do quotidiano.
Sou daqueles que pensam que a crise que estamos a viver é muito mais do que uma crise financeira, é sobretudo uma crise moral e cultural. E que há um défice de valores espirituais e humanistas. Octávio Paz, Prémio Nobel de Literatura, dizia que todas as grandes crises são sempre crises de civilização. E Rob Riemen, quer nos seus escritos, quer em recentes entrevistas, sublinha a importância da leitura e proclama que o primeiro combate é contra a estupidez e contra a ignorância.
João Ricardo Pedro mostra que mesmo numa situação de desamparo é possível encontrar caminhos novos. E que um desses caminhos passa pela criação, pela arte, pela cultura. Tal como em outras épocas difíceis, o mundo volta a precisar dos filósofos, dos escritores e dos poetas.
Contra a crise, atrevo-me a recomendar aos políticos, tanto aos do governo como aos das oposições: ler todos os dias um poema e algumas páginas de um bom romance como o de João Ricardo Pedro. Faz bem à saúde e ao espírito. E até à política.

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