Num recente texto
acerca da “Grand Coulee Dam” disse-vos que Woody Guthrie tinha visto com muito
bons olhos a construção dessa barragem porque, entre outras coisas, ela iria
permitir aumentar significativamente as áreas de cultivo, possibilitando, desse
modo, novas oportunidades de emprego aos migrantes vindos dos estados do Sul em
busca de trabalho nas grandes pastagens da Califfórnia e nos estados do Norte.
Woody nascera no
Oklahoma e sabia muito bem do que falava.
Já estava na casa dos
20 quando ocorreram no seu estado natal as primeiras secas e as primeiras
grandes tempestades de areia, que ficariam conhecidas como “dust bowl”.
Tinha assistido,
certamente, à forma desumana como os camponeses foram despojados das suas
terras por se terem endividado junto da banca até ao limite, sempre na
esperança de que a seca pararia e que a normalidade das suas colheitas seria
retomada.
Mas a seca não parou…
Nalgumas regiões chegou a durar oito anos consecutivos.
E a normalidade das
colheitas não foi retomada. Os bancos executaram as hipotecas, tomaram posse
das terras e deram-lhes outro destino, condenando toda uma população a um
enorme êxodo rural em busca de trabalho no campo, sobretudo, como vos referi,
na Califórnia e nos estados do Norte Litoral.
As últimas
manifestações do “dust bowl” ocorreram em finais de 30 / inícios de 40, ou seja,
mesmo na reta final da construção da barragem.
A esperança de Woody
Guthrie era muita, portanto. E bem fundada…
Tinha ficado tão
impressionado com o livro de John Steinbeck, “As Vinhas da Ira”, que retrata
esses tempos e esses lugares, que escreveu em sua homenagem “Tom Joad”, um dos
raros casos que conheço em que uma “folk song” sintetiza todo um livro, da
primeira à última página.
Mas Woody Guthrie não
se iria ficar por aí.
“Tom Joad” é apenas
uma das onze canções que integraram a primeira edição de “Dust Bowl Ballads”,
um conjunto da canções que Woody escreveu entre 1937 e 1940 alusivas a esse
fenómeno e ao impacto que ele teve na vida de milhares de camponeses e de
pequenos trabalhadores rurais.
Woody não foi o único
“folksinger” a compor sobre esse tema,
Neste périplo musical
que decidi fazer para vos mostrar que é possível contar a História dos Estados
Unidos apenas com recurso à “Folk Music”, escolhi-vos hoje uma canção
que não poderia ser mais explicita acerca dos efeitos nefastos do “dust bowl”.
Com alguma ironia e muito humor negro à mistura, a canção conta-nos a triste
história de uma casa que o vento levou pelos ares…
A sua autora é Agnes
“Sis” Cunningham, que a compôs em parceria com o seu irmão mais velho, Bill.
Tal como Woody,
Agnes, três anos mais velha do que ele, era oriunda do Oklahoma e também ela
assistiu a tudo de muito perto, tanto mais que vivia com os seus pais numa
pequena quinta que não deixou de sentir os efeitos do “dust bowl”.
Embora pouco
conhecida, Agnes Cunningham é uma das figuras mais interessantes da História da
Folk Music no século passado.
Ativista política da
esquerda comunista, teve formação musical (tocava, sobretudo, piano e acordeão)
e foi professora de música, mas o que mais lhe interessava era a música de
intervenção e a ligação desta à ação política e social.
Esteve ligada a
várias companhias de teatro de intervenção que juntavam representação e música
e que viajavam pela América profunda, muitas vezes em ações conjuntas com o
movimento sindical. Uma dessas companhias de “teatro de rua” em que participou
foi a “Red Dust Players”, cujos membros acabariam por ser ameaçados de morte,
perseguidos e obrigados a abandonar a região.
Juntamente com o seu
marido, Gordon Friesen, um escritor e jornalista militante comunista, “Sis”
Cunningham foi para Nova Iorque e, pouco tempo depois, já fazia parte dos
“Almanac Singers”, juntamente com Pete Seeger e Woody Guthrie, de que já aqui
vos falei.
Após o final da II
Grande Guerra, colaborou com Pete Seeger na criação de “People’s Songs”, um
magazine percursor das revistas de “Folk Music” dos anos 50 e 60 que
tinha por objetivo a divulgação da música de intervenção junto de quem dela
necessitasse, quase sempre com objetivos de ação política, sindical e social.
Na sequência de
“People’s Songs” foi criada também, sempre com a colaboração de Cunningham,
“People’s Artists”, que era uma espécie de agência de colocação de artistas de
intervenção.
Em tempos de “caça às
bruxas “, e tal como sucedeu com o próprio Seeger, Agnes Cunningham e o marido
não poderiam escapar e foram das primeiras vítimas da famigerada “Black List”,
ele impedido de escrever e ela impedida de cantar e de exercer a sua profissão
de professora musical.
Foram tempos
difíceis, magnificamente contados na autobiografia conjunta “Red Dust and
Broadsides”, que escreveram já velhotes, com o apoio das suas filhas Aggie e
Jane.
Depois de terem
andado por Detroit e por outras cidades, no início dos anos 60 Cunningham e
Friesen regressaram à comunidade “Folk” de Nova Iorque e, com o apoio
financeiro de Pete Seeger e a ajuda de Gil Turner, criaram a revista
“Broadside”, na qual deram a conhecer os novos intérpretes da “Folk Music”
desses tempos, publicando letra e música de algumas das suas canções e
dando-lhes uma oportunidade para gravação, tudo feito artesanalmente no seu
pequeno apartamento de West 104th Street.
Nomes como Phil Ochs,
Tom Paxton, Janis Ian, Eric Andersen e Buffy Sainte Marie tiveram, aí, a sua
primeira oportunidade de gravação. E isto para já não vos falar de um rapaz com
pelo na venta que dava pelo nome de Blind Boy Grunt e que mais tarde passaria a
ser conhecido pelo nome bem mais simplório de Bob Dylan…
“Broadside” durou 26
anos anos, entre 1962 e 1988. Começou por ser quinzenal, depois mensal, a
seguir bimestral e acabou semestral, já com muitas dificuldades.
As músicas, essas
podem ser ouvidas em qualquer um dos 14 álbuns de “Broadside Ballads” que foram
editados pela Folkways e ainda hoje se encontram disponíveis, bem como numa
mais recente coletânea de 5 CD’s com 89 canções, que a mesma editora lançou no
ano 2000.
Agnes Cunningham
morreu com 95 anos, em 2004. Gordon Friesen já tinha partido oito anos antes,
em 1996, com 87 anos.
Seguindo o meu
princípio de vos dar a conhecer interpretações de épocas muito distintas,
escolhi uma interpretação da própria co-autora, “Sis” Cunningham, e outra de
Bruce Springsteen.
Quanto a este último,
embora bastante mais conhecido por outro tipo de música, nunca renegou as suas
influências “Folk” e tem alguns álbuns que manifestamente se aproximam
desse género musical, como é o caso de “Nebraska”(1982), “The Ghost of Tom
Joad”(1995) e, sobretudo, de
“We Shall Overcome:
The Seeger Sessions” (2006), de onde a versão que vão ouvir foi retirada, e que
é, como o próprio nome indica, não só uma reverência ao autor de “Where Have
All the Flowers” Gone”, mas também uma pungente homenagem à “Folk Music”,
como um todo.
A canção começa com o
personagem a evocar a sua participação na grande corrida às terras de Oklahoma
iniciada em Abril de 1889, que vários “westerns” retrataram (“Cimarron”, que
Anthony Mann realizou em 1960, por exemplo…), na qual 50.000 pessoas, nos mais
diversos meios de transporte, se lançaram em busca dos dois milhões de “acres”
de terra anteriormente ocupada pelos índios e que seriam disponibilizados,
gratuitamente, aos primeiros que a alcançassem.
Lá chegado, depois
foi escolher a terra, levantar uma cabana, arranjar uma mula para o ajudar a
trabalhar a terra, lançar as plantações, escolher uma mulher para constituir
família, obter uma hipoteca…
E depois, de repente,
mulher, colheitas, casa, tudo vai pelos ares…..exceto a hipoteca…!
O personagem vê-se
pela estrada fora, só e abandonado, mas procura consolar-se dizendo que não
está verdadeiramente só porque, algures nos céus, ainda andarão a voar a
mulher, os animais e pedaços da casa que construiu…!
A letra é esta:
“When they opened up the strip I was young
and full of zip
I wanted some place to call my home
And so I made the race and I staked me out a place
And settled down along the Cimarron
It blowed away (blown away), it blowed away (blown away)
My Oklahoma home, it blown away
Well it looked so green and fair when I built my shanty there
My Oklahoma home, it blown away
Well I planted wheats and oats, got some chickens and some shoats
Aimed to have some ham and eggs to feed my face
Got a mule to pull the plow, I got an old red muley cow
And I also got a fancy mortgage on this place
Well it blowed away (blown away), it blowed away (blown away)
All the crops that I've planted blown away
Well you can't grow any grain if you ain't got any rain
Everything except my mortgage blown away
Well it looked so green and fair when I built my shanty there
I figured I was all set for life
I put on my Sunday best with my fancy scalloped vest
Then I went to town to pick me out a wife
She blowed away (blown away), she blowed away (blown away)
My Oklahoma woman blown away
Mister, as I bent to kiss her, she was picked up by a twister
My Oklahoma woman blown away
Well then I was left alone just listening to the moan
Of the wind around the corners of my shack
So I took off down the road, yeah, when the south wind blowed
I traveled with the wind upon my back
I blowed away (blown away), I blowed away (blown away)
Chasing that dust cloud up ahead
Well once it looked so green and fair and now it's up in the air
My Oklahoma farm is over head
And now I'm always close to home, it don't matter where I roam
For Oklahoma dust is everywhere
Makes no difference where I'm walking, I can hear my chickens squawking
I can hear my wife a-talking in the air
It blowed away (blown away), it blowed away (blown away)
Yeah my Oklahoma home is blown away
But my home Sir, is always near, it's up here in the atmosphere
My Oklahoma home is blown away
Well I'm a roam'n Oklahoman but I'm always close to home
And I'll never get homesick until I die
'Cause no matter where I'm found, my home's all around
My Oklahoma home is in the sky
It blowed away (blown away), it blowed away (blownd away)
And my farm down on Cimarron
But now all around the world wherever the dust is swirled
There is some from my Oklahoma home It blowed away (blown away), it blowed away
(blown away)
Yeah my Oklahoma home is blown away
Yeah it's up there in the sky in that dust cloud over n' by
My Oklahoma home is blown away
Well it's blown away (blown away), blown away (blown away)
Oh my Oklahoma home is blown away
Yeah it's up there in the sky in that dust cloud over n' by
My Oklahoma home is the sky”
PS:
Como penso que já vos
disse anteriormente, as letras da “Folk Music” mudam de versão para
versão…
A letra que vos
mostrei segue a interpretação de Bruce Spreengsteen, a qual, por sua vez, segue
de perto a versão de Pete Seeger, embora não seja completamente idêntica…
Ora a versão de Pete
Seeger segue o original de Buddy e “Sis” Cunningham, mas introduz algumas
alterações…
E a coisa complica-se
ainda mais quando a própria Cunningham tem versões que não são iguais…!
Confusos…??!!
Mas não se preocupem
porque as diferenças não são muito significativas...
"Os bancos executaram as hipotecas, tomaram posse das terras e deram-lhes outro destino, condenando toda uma população a um enorme êxodo rural em busca de trabalho no campo, sobretudo, como vos referi, na Califórnia e nos estados do Norte Litoral."
Então mas os EU não são o país da liberdade, da oportunidade e da Justiça? Mas afinal que justiça, que liberdade é esta que condena o seu povo à miséria e à injustiça em favor dos poderosos bancos?
2 comentários:
"Os bancos executaram as hipotecas, tomaram posse das terras e deram-lhes outro destino, condenando toda uma população a um enorme êxodo rural em busca de trabalho no campo, sobretudo, como vos referi, na Califórnia e nos estados do Norte Litoral."
Então mas os EU não são o país da liberdade, da oportunidade e da Justiça? Mas afinal que justiça, que liberdade é esta que condena o seu povo à miséria e à injustiça em favor dos poderosos bancos?
É igual em quase todo o lado é há muitas décadas...
A Banca tem demasiado poder, Caro Seve...
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