Como sabem, W.A. é músico nos seus tempos livres e toca, principalmente, clarinete.
No que respeita a atuações públicas, tudo começou quando se juntou a um grupo de amigos às segundas-feiras à noite, no Michael's Pub, de Nova Iorque. Desde 1996 a banda passou a tocar, regularmente, no Carlyle Hotel, também em Manhattan.
Entretanto a banda ganhou o nome de "New Orleans Jazz Band" e, como ele refere, deu várias vezes a volta ao Mundo, tendo passado em duas ocasiões pelo CCB de Lisboa, a última das quais muito recentemente, a 4 de Julho de 2017.
Não assisti a nenhum desses concertos. Os preços pareceram-me exorbitantes para uma banda de amadores...
Em 1996 a célebre realizadora americana Barbara Kopple acompanhou a banda numa digressão pela Europa, daí resultando o documentário "Wild Man Blues", lançado no ano seguinte.
Esta "tirada" é, pois, acerca de W.A. enquanto músico.
"O meu amigo
Jerry comprou um gravador e apresentou-mo com orgulho.
"Que música é
essa?", perguntei
"É um concerto
de jazz que gravei", disse ele, da "rádio Ted Husing's
Bandstand".
"É
excelente", disse, atirando para o lado os meus livros da escola, na
direção do caixote do lixo.
"Um concerto em
França".
"Quem é
esse?"
"Sidney
Bechet."
"Quem é
esse?"
"Um saxofonista
soprano de Nova Orleães."
Foi a primeira vez
que ouvi jazz de Nova Orleães. Porque me afetou tão profundamente nunca
saberei. Ali estava eu, um judeu de Brooklyn, que nunca tinha saído de Nova
Iorque, com o tipo de gosto cosmopolita, um grande apreço por Gershwin, Porter,
Kern, compositores populares muito sofisticados, e ali estavam estes
afro-americanos do sul profundo, que nada tinham em comum comigo e, no entanto,
rapidamente se tornaram uma obsessão; em breve eu era aspirante a humorista,
aspirante a mágico, aspirante a jogador de beisebol e aspirante a músico de
jazz afro-americano. Comprei um saxofone soprano, aprendi a tocá-lo; comprei um
clarinete e aprendi a tocá-lo. Comprei uma vitrola. Isso fui capaz de tocar sem
lições"
(pág. 59)
"Ouvíamos todo o
tipo de jazz, mas os nossos preferidos eram os discos antigos de Nova Orleães.
Bunk Johnson, Jelly Roll Morton, Louis Armstrong e, claro, Sidney Bechet, que
eu adorava e queria imitar enquanto tocava (e se isto não o fizer rir, nada
fará). Sentava-me no meu quarto sozinho, a tocar, enquanto ouvia os discos de
Bechet e, mais tarde, de George Lewis. Este foi outro ídolo meu; com ele e John
Dodds, mais um génio do clarinete, sentia que me tinha, por fim, encontrado. O
prazer era tão intenso que decidi dedicar a minha vida ao jazz. Mal sabia eu
que Bechet, Armstrong, George Lewis, Johnny Dodds, Jelly Roll Morton e Jimmie
Noone eram génios musicais. o idioma deles era primitivo, mas, nos parâmetros
do jazz de Nova Orleães, tinham dentro deles algo verdadeiramente mágico, que
jorrava a cada nota que tocavam. Eu, bronco ingénuo que era, não compreendia
que não tinha essa genialidade, que estava destinado, apesar de todos o meu
entusiasmo e amor pela música, a não ser mais do que uma nulidade musical, que
seria escutada e tolerada com base numa carreira cinematográfica, e não por
algo que valesse alguma coisa no que ao jazz diz respeito."
(pág. 59 e 60)
"Mas praticava,
e ainda pratico. Toco todos os dias e com tal dedicação que, para ter a certeza
de que não falho um dia, já toquei em praias geladas, em igrejas enquanto a
minha equipa de filmagens se instalava, em quartos de hotel depois do trabalho,
enfiando-me na cama e tapando-me com as cobertas para não acordar os outros
hóspedes. Contudo, por muito que ouça música, que leia as histórias
estimulantes das vidas dos músicos e que sopre, sopre, sopre, com diferentes
bocais e palhetas, sempre em busca daquela combinação que me irá fazer soar
melhor, continuo uma nulidade. Continuo a ser um jogador de ténis de fim de
semana no meio de Federer e Nadal. Lamento dizê-lo, não o tenho em mim: o
ouvido, o tom, o ritmo, o sentimento. No entanto, já toquei em público em
clubes e salas de concerto, em casas de ópera por toda a Europa, em auditórios
cheios nos Estados Unidos. Já toquei em paradas de Nova Orleães e bares da
cidade, no Jazz Heritage Festival e no Preservation Hall, tudo porque a minha
carreira cinematográfica o permite. Há vários anos, Dotson Rader, um homem
espirituoso, perguntou-me durante um jantar: "Não tens vergonha?".
Entre o amor pela
música e os meus limites enquanto músico, se quero tocar não me posso dar ao
luxo de ter vergonha."
(pág. 60)
Woody Allen em A Propósito de Nada
Colaboração de Luís Miguel Mira
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