sexta-feira, 18 de setembro de 2020

EM TODAS AS ALDEIAS DO MEU SANGUE

Em Outubro de 1969, para destruir a contestação que marcava os dias na Universidade de Coimbra, a ditadura pegou em 49 estudantes contestatários e espetou com ele na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, para cumprimento de serviço militar.

 Coimbra, 17 de Abril de 1969, inauguração do edifício de Matemáticas, o estudante Alberto Martins, no meio da bancada do auditório, onde decorria a cerimónia, levanta-se e interpela a mesa.

 - Em representação dos estudantes da Universidade, peço licença a sua excelência para falar nesta sessão.

 O então presidente Américo Tomás, apanhado de surpresa, diz:

 - Bem, mas agora fala o senhor ministro das Obras Públicas.

 Nos estudantes recrutas enviados para Mafra, encontrava-se Rui Pato, estudante de medicina, que numa manhã apareceu em Lisboa, nos estúdios da Polysom, em Campolide, para a gravação do álbum O Canto e as Armas de Adriano Correia de Oliveira.

 Tal como conta Rui Pato:

 Lembro-me que foi a última gravação que fiz com ele e estávamos ambos na tropa – eu era oficial de Cavalaria em Santarém, ele era da Polícia Militar. Eu fui para o estúdio e ele aproveitou um dia que estava de ronda da Polícia Militar para ir gravar. Encontrámo-nos, ele entrou no estúdio de capacete e pistola, tirou a pistola, colocou-a em cima do piano e gravámos o disco O Canto e as Armas, curiosamente, é gravado com ele aramado e sem despir a farda de alferes.

 A gravação começou de manhã, prolongou-se pela madrugada e teve o precioso cuidado técnico de Moreno Pinto.

Rui Pato, hoje com 74 anos, tirou o curso de médico pneumologista, Adriano Correia de Oliveira morreu em 16 de Outubro de 1982, tinha 40 anos.

 A capa e contracapa do disco, da autoria de J. Bugalho, é uma fotografia que regista a assembleia magna em Coimbra que decidiu a greve aos exames.

 O disco é composto por alguns poemas que constam do livro de Manuel Alegre, publicado em 1967 e abre com E de Súbito um Sino, dito pelo actor Rui Mendes: 

Eis como tudo
entra de súbito
pelas palavras
a terra e o mar
as mãos e as vozes.
Tua guitarra
povo. Teu génio.
E o teu silêncio
é de súbito um sino
tocado pelo vento
em todas as aldeias do meu sangue.

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